O
Grande Prêmio
Theodore Austin-Sparks
Leitura: Filipenses 3.1-16
A carta aos filipenses começa com uma
declaração de Paulo: “Porque para mim o viver é Cristo” (2:21)
e, depois, continua a expressar seu desejo de conhecer ao Senhor
mais e mais, com sua determinação de perseguir tal conhecimento
como um prêmio muito desejado.
Se quisermos saber o que significa ganhar
a Cristo, temos de voltar para Romanos 8:29, onde descobriremos
que a intenção de Deus é que sejamos conformados à imagem do Seu
Filho. Ser conformado é ganhar a Cristo – este é o prêmio, e ele
envolve alcançar a plenitude de Cristo em perfeição moral. Tal
plenitude deve expressar a glória a ser manifestada pelos filhos
de Deus. É simplesmente isto: tornar-se moral e espiritualmente
um com Cristo em Seu lugar de exaltação é o alvo e o prêmio da
vida cristã. Faremos bem se mantivermos diante dos olhos este
final glorioso: “a manifestação dos filhos de Deus”.
Quando Paulo falou sobre ganhar a Cristo e
sobre alcançar o prêmio, ele estava expressando seu desejo
ardente de ser conformado à imagem do Filho de Deus. Essa
conformação é o objetivo da salvação e é o propósito de Deus na
salvação, não deixando, porém, de ser algo pelo que precisamos
batalhar. É claro que não fazemos nada para ganhar a salvação, e
que também não precisamos sofrer a perda de todas as coisas para
sermos salvos. Somos salvos pela fé, não por obras; salvação não
é um prêmio a ser alcançado, não é algo pelo qual tenhamos de
nos esforçar, mas é um presente, um dom gratuito. Além desse
presente, contudo, Paulo ainda aspirava alcançar alturas não
conquistadas e, por isso, escreveu que considerava todas as
coisas como perda por causa da excelência do conhecimento de
Jesus Cristo seu Senhor. Se o poder do mesmo Espírito está
operando em nós, certamente produzirá o mesmo efeito de nos
fazer entender quão pequeno é o valor de tudo o mais quando
comparado com o grande prêmio de Cristo.
A SUPREMA QUESTÃO
É interessante comparar Marcos 10 com
Filipenses 3, já que cada passagem nos fala de um jovem e de sua
decisão em certo momento. Os dois homens eram parecidos em
vários aspectos: eram ambos ricos legisladores, homens com alta
posição social, intelectual, moral e religiosa entre os seus.
Eram provavelmente ambos fariseus e foram ambos amados pelo
Senhor. De um precisou ser dito: “Uma coisa te falta”, enquanto
o outro afirmou: “Uma coisa eu faço”. O jovem sem nome
retirou-se de Jesus com muita tristeza, mas não retrocedeu, e a
razão foi porque ele não estava preparado para repartir suas
grandes posses. Paulo também tinha muitas posses, mas elas
perderam todo seu atrativo na luz da visão que ele teve de
Cristo. Para ele, era uma escolha entre as recompensas terrenas
ou o único e grandioso prêmio celestial - e ele alegremente
optou por esta último.
Podemos dizer, de certo modo, que ele
tinha uma grande vantagem e uma visão diferenciada de Cristo,
porque ele viu o Senhor no pleno poder da ressurreição. Ele não
viu somente Jesus de Nazaré como o outro jovem havia visto, mas
ele pôde apreciar algo da sobrexcelente grandeza do poder de
Deus ao levantar da morte este Único que, humilhado e rejeitado
pelos homens, na cruz foi reduzido ao desamparo e aparente
desespero somente para ser erguido da morte e da tumba e ser
exaltado estando à direita da majestade nas alturas. Foi o poder
da ressurreição que fez Paulo decidir conquistar o prêmio.
O PODER DA SUA RESSURREIÇÃO
O que torna tudo possível na vida
espiritual é o fato de que o mesmo poder de ressurreição que
levantou Cristo levando-o ao Seu destino espiritual é o poder
que opera em nós (Ef 3:20). É verdade que nossa justificação
repousa na ressurreição do Senhor Jesus, mas ainda assim a total
abrangência daquela ressurreição vai muito além da esfera da
salvação pessoal, porque seu poder é o meio pelo qual toda
realização do pensamento eterno de Deus pode ser cumprida.
Provavelmente uma das maiores necessidades do nosso tempo – o
qual eu creio ser o tempo do fim – é a de um conhecimento
experimental mais pleno da vida de ressurreição, pois o triunfo
final da Igreja com sua definitiva chegada ao trono, e
conseqüente desalojamento do reino satânico, só pode ser
alcançado por esse meio. Essa vida é algo que confrontou todo o
poder diabólico do universo e provou que não pode ser tocada ou
corrompida; portanto, tanto moral quanto fisicamente é a vida
que triunfou sobre a morte.
Vida de ressurreição não é uma idéia
abstrata ou uma sensação mística, mas é uma expressão muito
prática da vitória sobre o pecado e sobre Satanás. Se essa vida
pudesse ser maculada ou corrompida, então Satanás teria
alcançado a vitória final. Mas não há temor desta tragédia, pois
a vida de Cristo é aquela que plena e definitivamente venceu a
morte. E, ainda que Sua vida de ressurreição O colocou numa
posição inacessível, “acima de tudo”, ela visa trazer Sua Igreja
para compartilhar da Sua vitória e de Seu trono. Portanto, em
sua busca pelo prêmio, Paulo primeiramente menciona sua
necessidade de conhecer “o poder da Sua ressurreição”.
Eu creio que essa atitude de Paulo testa
nosso próprio conhecimento de Cristo. Não consigo entender como
um cristão que realmente conhece o habitar interior da vida de
ressurreição de Cristo pode se apegar a coisas, mantendo
controvérsia com o Senhor sobre abrir mão disto ou daquilo,
quando a única alternativa é o total despojamento para Cristo. O
que deveria determinar todas as disputas e questões é a
percepção da natureza real de nosso supremo chamamento em Cristo
e a determinação de não permitir que algo fique entre nós e a
operação plena da Sua vida de ressurreição.
A COMUNHÃO DOS SEUS SOFRIMENTOS
A busca de Paulo pelo prêmio fez com que
ele desejasse não somente conhecer Cristo no poder da Sua
ressurreição, mas também estar pronto a penetrar nas aflições
por causa dEle e com Ele. Isto coloca o sofrimento no seu devido
lugar, relacionado a um caminho para a glória. Freqüentemente o
sofrimento está fora de lugar em nós, nos causando problemas ao
ser aquilo que nos preocupa e que prejudica tudo o mais. O
Senhor pode nos fazer ver o sofrimento conforme deve ser visto,
ou seja, em relação a algo que nos faz vê-lo bem menor do que
poderia ser. “Porque para mim tenho por certo que as aflições
deste tempo presente não são para comparar com a glória que em
nós há de ser revelada”, e esta glória é a glória dos filhos de
Deus. Essa foi a glória que Paulo descreveu como o grande prêmio
de ganhar a Cristo.
Se perguntarmos o que significa ganhar a
Cristo, temos que considerar Romanos 8, onde encontraremos que a
intenção de Deus é que sejamos conformados à imagem de Seu
Filho. Esse processo de ser conformado a Cristo é de fato ganhar
a Cristo: este é o prêmio. Isso implica alcançar a plenitude de
Cristo em perfeição moral, pois esta perfeição moral e
espiritual é a Sua glória. Assim, para nós, a questão básica é
esta: estar moral e espiritualmente onde Cristo está em Seu
lugar de exaltação é a meta, o prêmio. Fazemos bem em não perder
de vista este final glorioso: “a manifestação dos filhos de
Deus”, quando seremos revelados com Cristo e feitos como Ele.
Enquanto isso, no tempo presente nós gememos. Se francamente
analisarmos tais gemidos, descobriremos que eles representam
nosso desejo ardente por sermos libertos da vida da velha
criação, com seu laço de corrupção, pecado e morte, de modo que
possamos conhecer a perfeição moral em Cristo. Um dia os gemidos
cessarão, esse será o momento de nossa chegada à perfeita
conformidade a Cristo.
Isso foi o que Deus pré-ordenou, porque
notamos que o trabalho de Deus numa criação que geme está
relacionado com o conhecimento prévio que Ele tem e, portanto,
relacionado com Sua pré-determinação das coisas. Tal
predestinação não estava vinculada ao assunto básico da
salvação, mas muito mais com o objetivo da salvação. Isso faz
toda a diferença. O objetivo da salvação é a conformidade à
imagem do Filho de Deus, pois àqueles que Ele conheceu de
antemão Ele os pré-ordenou, não para serem salvos ou se
perderem, mas para serem “conformados à imagem do Seu Filho”. O
trabalho do Espírito do Seu Filho em nós, constituindo-nos
filhos e capacitando-nos a clamar “Abba, Pai”, é o início do
trabalho de Deus na criação que geme - o trabalho de manter em
segredo aqueles filhos que proverão a chave para sua libertação
do completo estado de vaidade e decepção que ela possui
atualmente. Toda criação será levada a desfrutar da liberdade da
glória dos filhos de Deus, pois esse é o objetivo do poder da
ressurreição operando em nós. Estamos vinculados, em nossa
própria filiação, com o emancipar toda a criação da vaidade que
foi imposta sobre ela. Todavia veja: não basta a criação ser
liberta no momento da manifestação, é necessário reaver seu
caráter a partir de Cristo revelado nos filhos de Deus. Ela
somente encontrará sua verdadeira glória quando o poder da
ressurreição de Cristo tiver expressão plena na glorificação dos
filhos de Deus à medida que eles recebem seus corpos redimidos,
feitos como o de Jesus.
Você pode pensar que esta vasta concepção
não o ajuda muito quando se depara com suas próprias
dificuldades. Mas é por isso mesmo que Romanos 8:28 vincula tais
experiências práticas com o total alcance do propósito de Deus
em Cristo. Esse chamado e propósito governam cada detalhe de
nossa jornada espiritual. Se, porém, consideramos os fatos da
vida meros incidentes pessoais, não conseguiremos ver neles
benefício algum. Mas, se por outro lado, consideramos a relação
desses fatos com a determinação de Deus de nos fazer como
Cristo, então encontramos a chave do significado deles. Isso é
mais do que algo pessoal, pois a provação, dificuldade,
perplexidade ou provocação carregam o segredo de desenvolver em
nós a vida do Senhor Jesus, a vida de ressurreição que traz
consigo o objetivo final de Deus - a glorificação de todo o
universo. O Novo Testamento é muito prático: as grandes coisas
das eternidades são trazidas ao nível dos mais íntimos detalhes
da nossa vida espiritual, fazendo com que todas as coisas operem
conjuntamente. Essas “todas as coisas” contribuirão para o bem
final, se consideradas à luz do propósito divino. A intenção de
Deus não deve ser esquecida. Pode parecer que estamos sofrendo
uma contradição: pedimos algo e recebemos o contrário; isso
ocorre porque Deus não está nos isentando da responsabilidade,
mas usa experiências contrárias para forjar em nós aquela força
moral que somente o Espírito Santo pode conceder.
CONFORMIDADE COM SUA MORTE
Foi o Espírito Santo que fez Paulo
escrever as coisas nessa ordem: primeiro o poder da Sua
ressurreição, depois a comunhão em Seus sofrimentos e,
finalmente, ser conformado à Sua morte. Na verdade, só
conseguiremos conhecer o poder da Sua ressurreição se
participarmos com Ele de Sua experiência de morte, o que implica
em deixarmos de lado tudo o que é pessoal para fazermos das
coisas de Cristo nosso único objetivo. Não é verdade que a base
do pecado é o orgulho? E o que é orgulho, essa raiz do pecado?
Ele consiste em interesses pessoais, egoístas e individualistas.
Foi desse modo que o pecado entrou no universo de Deus no
princípio, porque Satanás caiu quando disse: “ Eu exaltarei meu
trono... eu serei como o Altíssimo”. Em seguida ele persuadiu
Adão a agarrar a oportunidade de ser “como Deus” (Gn 3:5),
fazendo o interesse pessoal entrar para a raça humana. Tal
orgulho é nativo em todos nós, somente uma experiência prática
de conformidade a Cristo em Sua morte pode nos libertar dele.
As tentativas contínuas de Satanás em
trabalhar no nosso interesse pessoal são tão sutis, que ele pode
até parecer estar propagando Cristo se puder fazê-lo de modo a
subjugar servos de Deus. Foi em Filipos, cidade para qual essa
carta foi dirigida, que um dos seus demônios proclamou
publicamente que Paulo era um servo do Deus Altíssimo que
apresentava aos homens o caminho da salvação. O que mais Paulo
poderia desejar? Ele tinha propaganda gratuita! Bem, o fato é
que podemos ter certeza de que um plano sutil do diabo está a
caminho quando ele começa a patrocinar o Evangelho e a tornar
seus pregadores populares. O apóstolo percebeu isso e, tendo
esperado em Deus, repreendeu o demônio, com resultados
calamitosos para ele e Silas, pois isto os levou à prisão, com
todo o inferno enfurecido contra eles. Paulo, porém, havia sido
liberto de uma armadilha satânica, embora estivesse na cadeia.
Embora estivesse naquele momento sendo conformado a Cristo numa
nova experiência de Sua morte, isto inevitavelmente o levou a
ter uma nova experiência do poder da ressurreição de Deus. Ele
sobreviveu para escrever aos filipenses de uma prisão em outra
cidade, e lhes assegurou mais uma vez que as coisas que lhe
aconteceram possibilitaram a expansão do Evangelho. Quando
idéias, preferências e desejos humanos são colocados à parte,
isto pode significar privação no primeiro instante; mas quando
os interesses pessoais são mortificados, um novo lugar é dado a
Cristo em nossas vidas e estaremos mais e mais próximos de nosso
grande prêmio.
CRISTO MAGNIFICADO
Parece claro que à medida que o apóstolo
seguia em direção ao fim da sua vida, mais ardentemente ele
buscava o prêmio de ser conformado a Cristo. Creio que é um
avanço verdadeiro quando chegamos ao lugar onde podemos viver
sem a sedução de sinais visíveis de sucesso ou milagres óbvios,
onde podemos ser completamente felizes com o próprio Senhor. O
que eu tenho em meu coração é que você e eu venhamos mais e mais
para o lugar onde o próprio Senhor Jesus é tudo para nós. Não
buscamos conformidade a Ele em si mesma ou para nossa
satisfação, mas somente para que Ele possa encontrar alegria ao
nos aproximarmos mais dEle. Esta é a marca de crescimento
espiritual e maturidade: desejar tão-somente que Cristo seja
magnificado e prosseguir resolutamente neste objetivo. “Cristo é
o caminho e Cristo é o prêmio.”
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