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As
Vozes dos Profetas
por
T. Austin-Sparks
Capítulo 1 -
Introdutório
Eles não conheceram ...as vozes dos
profetas que eram lidos todos os sábados"
(Atos 13:27).
"Tendo Deus... falado...
pelos profetas... de várias maneiras"
(Hebreus 1:1).
Nosso objetivo nesses
capítulos será ver o que essas diversas
vozes e maneiras de Deus falar significam
para nós em nosso tempo e em nossas vidas:
não será um estudo completo dos profetas,
mas apenas uma mensagem saliente para a
nossa instrução, conforto, direção e, talvez
- aviso.
A declaração feita pelo
Apóstolo Paulo na primeira citação acima é
uma declaração bastante surpreendente e
arrebatadora, que, por si só, torna-se uma
mensagem e um aviso vindo dos profetas. Ela
diz precisamente que todos os sábados, por
um longo período de tempo, os profetas eram
lidos nas reuniões, em grandes centros como
Jerusalém, bem como em inúmeras sinagogas
distantes, e, enquanto as palavras eram
lidas e ouvidas, enquanto os profetas eram
falados por meio dos principais e sacerdotes
chefes, as pessoas e seus principais, “não
conheceram as vozes dos profetas”. Conheciam
as palavras, as escrituras, os sons, os
tempos, porém, a ‘Voz’ permaneceu
imperceptível e indetectável; o significado
interior, a mensagem vital, o objeto
inclusivo, permaneceu irreconhecível. E não
apenas isso. O resultado trágico de toda
audiência foi uma violenta, positiva e grave
contradição; um feito, de fato, porém um
feito apenas ao contrário daquilo que os
profetas queriam dizer ao povo em questão.
Eles deveriam ter sido beneficiados com as
‘vozes’, porém, foram condenados.
Assim, já desde o início,
somos desafiados, quanto ao resultado, a
colocar toda a nossa atenção e valor em tudo
aquilo que tem chegado a nós. Qual será o
veredicto quando as ‘vozes’ não mais forem
ouvidas? Contudo, é importante que estejamos
cientes da questão sobre a qual irão
repousar o juízo final e o veredito. A
partir de muitas escrituras, e focados em
Hebreus 1:1, esta questão é claramente
declarada ser o lugar e a medida dada a
Jesus Cristo, o Filho de Deus. Esta é a
questão consumada em nossa citação básica de
Atos 13:27: "Eles não o conheceram". Jesus
disse que todos os profetas falaram dele. Os
profetas tinham muito a dizer acerca de
muitas coisas: idolatria, más condições
morais, religião meramente formal e externa,
etc., mas Jesus viu e apontou para Si mesmo
em todos os profetas, e, finalmente, tornou
o significado dos profetas em algo pessoal
em relação a Si mesmo. Todo juízo final irá
se voltar não para a questão dos pecados,
mais ou menos, poucos ou numerosos, mas para
o lugar e a medida dada a Cristo. Assim, a
questão associada ao ouvir os profetas, isto
é, as Escrituras, é a seguinte: quanto de
Cristo tudo isso resulta em nós. Não me
refiro a uma ou muitas daquelas coisas que
compreendem o Cristianismo, mas ao grau de
Cristo em nós. Nos profetas do Velho
Testamento temos o lugar de Cristo. No Novo
Testamento temos não somente o lugar de
Cristo, mas a Sua medida em nós.
Todas as Cartas do Novo
Testamento (as epístolas) estão
primariamente ligadas à medida de Cristo nos
crentes, tanto individualmente como
coletivamente. Este resultado final é, de
acordo com Atos 13:27 e outras Escrituras
(tais como Isaías 6:9,10, e Apocalipse
2:7,11,17,29, etc.), uma questão de ouvir
espiritualmente, ou "um ouvido para ouvir o
que diz o Espírito". Quantos, como esses
acima referidos, estão ouvindo as Escrituras
como tais, talvez até mesmo “todos os
sábados”, porém estão fracassando em ouvir
‘a Voz’. É com o objetivo de captar a voz
dos profetas que ensaiamos considerá-los,
bem como as suas mensagens. Esta palavra
preliminar é importante para que não
fiquemos apenas com a ‘letra da Palavra’.
Observemos que o fracasso das
pessoas acima referidas, e as suas
consequências, não foi porque os profetas
eram infiéis. Embora seja verdade, em muitos
casos, que as pessoas pudessem estar numa
posição trágica e patética devido aos seus
mestres e líderes não serem fiéis, porém,
este não é sempre o caso. O fato de uma
criança não passar nos exames da escola não
pode ser honestamente atribuído sempre ao
professor. A criança pode ser preguiçosa,
indolente, descuidada, rebelde, etc. Além do
que, até o melhor e mais meticuloso
professor também possui as suas falhas. Os
profetas deram tudo o que eles tinham, mas
ainda assim, o terrível veredicto de Atos
13:27 foi verdadeiro. A culpa recaiu sobre
os ouvintes.
1. A Voz de Jeremias
Como você pode perceber, ao iniciarmos com o
profeta Jeremias, não estamos seguindo a
ordem cronológica bíblica. Isso porque não
estamos aqui preocupados com a história, com
a geografia, nem com a cronologia dos
profetas, mas sim, acima de tudo, com a
mensagem espiritual. A mudança na ordem é
simplesmente porque, no momento, somos
pressionados pelo senso de que Jeremias é
aquele que chega mais próximo ao cerne da
necessidade espiritual. Aqui está o homem
como ele é, em seu próprio sofrimento, e
isso domina o livro todo. Enquanto em Isaías
e Ezequiel temos nações, governantes ... e a
preditiva e messiânica visão tão à vista, em
Jeremias temos menos desses aspectos, por
estar ele mais ocupado com o curso presente
e imediato das coisas. Isso de forma alguma
é a verdade toda, mas é algo comparativo. E
o que mais impressiona o leitor é a angústia
pessoal deste profeta, não importando o que
ele possa falar sobre as nações nos
capítulos 40 a 51.
A mensagem vem realmente do próprio profeta.
Isso é verdade em relação a todos os
profetas, como veremos. A personalidade de
Jeremias fica mais em evidência do que a de
qualquer outro dentre os Profetas Maiores, e
muitos dos chamados Profetas Menores.
Através de sua personalidade, grandes
verdades foram convertidas em vida
espiritual. Embora muito da mesma natureza
possa ser dito de outros profetas, de
Jeremias, talvez, seja verdadeiro dizer que
nenhum homem esteve tão integrado a sua
mensagem como Jeremias. Sua mensagem foi
literalmente espremida nele da mesma forma
como a uva é espremida no lagar.
Lembremos de que a função dos profetas era
preeminentemente a de manter claro e
poderoso diante dos homens como Deus é. Se
mantivermos isso em mente, teremos a chave
de cada profeta. Deus é multifacetado. Tem
sido dito que “há base para se crer que a
figura do sofrimento do Servo do Senhor,
levantada pelo Grande Profeta do Exílio, e a
ideia do valor da expiação e redenção de
Seus sofrimentos, foram, pelo menos em
parte, frutos de meditação sobre o abandono
espiritual, de um lado, e, de outro lado,
sobre a passional identificação de si mesmo
com as tristezas do seu povo pecador, deste,
Jeremias foi o mais semelhante a Cristo
dentre todos os profetas”. Certamente
Jeremias prefigurou alguém maior do que ele,
“um homem de dores, experimentado no
sofrimento". Falamos que Deus é
multifacetado. Talvez fosse melhor dizer que
Deus é amor, e o amor de Deus é
multifacetado. Há o sofrimento do amor; o
zelo do amor; a ira do amor; a visão e a
compreensão do amor; sim, e a repulsa do
amor; etc. Jeremias foi a corporificação dos
sofrimentos do amor – do amor de Deus.
Antes de adentrarmos nas causas e razões do
sofrimento de Deus, vamos olhar para o homem
em si, para o seu chamado e vocação. Há
muito aqui para ajudar todo servo do Senhor
que precise tomar um caminho impopular,
assumir um arado solitário, resistir à forte
corrente contrária, e sustentar um
testemunho indesejável. Jeremias pode ser
uma grande inspiração para todos nós.
Não podemos fazer mais do que apenas dar
alguns extratos de uma importante
“introdução” a Jeremias, do então Dr.
Alexander Stewart. Ele escreveu:
"Jeremias teria herdado a tradição de um
ilustre ancestral, e a primeira fase de sua
vida teria sido moldada por distintas
influências religiosas da comunidade a que
ele pertencia. Deus, contudo, ‘provera algo
melhor’ para ele, do que apenas desperdiçar
os seus dias servindo nos altares de um
sacerdócio proscrito e degenerado. O jovem
filho de Hilquias tinha sido ungido para o
grande destino de ser um profeta do Senhor
em um dos dias mais difíceis na história do
povo escolhido....
"Aquela palavra (do Senhor) tornada
conhecida a ele, principalmente a de que ele
tinha sido escolhido por Deus para o
ministério profético antes de haver ele
visto a luz deste mundo (Jer. 1:5). A
palavra que constituiu a sua ordenação ao
ofício revelado a ele ao mesmo tempo que a
sua predestinação a esta alta honraria. E
isso não foi tudo. A revelação divina também
fez menção a uma preparação para as tarefas
que demandariam sua energia; uma preparação
que se estendia a um passado misterioso, até
que, pelo menos em seu ponto de partida,
recebeu o selo da eternidade, e incluiu dons
de ... consagração espiritual que precediam
a disciplina de sua experiência consciente
... sua obra seria excepcionalmente extensa
em suas atividades, e, na sua maior parte,
intensamente dolorosa em seu caráter ... sua
comissão era ‘arrancar pela raiz, e
derrubar, e destruir, e lançar por terra, e
edificar e plantar’. Os dois últimos termos
indicam um propósito generativo ... mas, a
maior parte de sua obra teria natureza
destrutiva. Esses dois propósitos
naturalmente seriam alcançados por Jeremias,
na qualidade de instrumento do poder
irresistível do Senhor.
"Um segundo fato notável em relação ao
chamado de Jeremias é o seu próprio
encolhimento ante a missão que ele teria de
enfrentar. 'Ah, Senhor Deus', clamou ele,
'eis que eu não sei falar, pois sou uma
criança' (1:6). Naturalmente ele não era uma
mera criança, no sentido literal, pois ele
devia ter mais de vinte anos de idade; mas
ele se sentiu uma criança em conhecimento,
em experiência, e ele estava especialmente
apreensivo, sentindo-se incapacitado para o
ministério profético por conta da falta do
dom da expressão....
"É uma ilustração notável do agir misterioso
da vontade soberana de Deus que Jeremias
pudesse ter sido escolhido como ‘um profeta
para as nações’; um homem aparentemente tão
incapacitado, por temperamento e aptidão,
para esta tremenda missão.
"Uma terceira característica de vital
importância em relação ao chamado de
Jeremias é o equipamento especial que ele
recebeu para a missão de sua vida. Este
equipamento foi simbolizado pelo toque da
mão divina em sua boca, uma ação que foi
acompanhada pela garantia explicativa: ‘Eis
que ponho as minhas palavras em sua boca’.
(2:9)....
"O equipamento de Jeremias incluiu também
uma mensagem do Senhor que estava
particularmente adaptada a sua necessidade.
Consistia, em primeiro lugar, de uma palavra
de comando em resposta ao seu protesto de
inaptidão. (1:7). O duas vezes repetido
‘Tu’, desta solene incumbência - 'Tu irás',
e Tu falarás’ – afastou as objeções do
profeta, deixando claro para ele que ele
deveria se submeter incondicionalmente à
autoridade de seu Mestre Divino, no que diz
respeito à esfera do seu trabalho e ao
caráter de sua mensagem. Mas a palavra de
comando foi seguida por uma palavra de
encorajamento gracioso: 'Não temas a face
deles; pois eu estou contigo, para te
livrar'. Rostos hostis certamente haveria
bastante – sobrancelhas abaixadas por causa
do ressentimento, olhos piscando de ódio, e
lábios curvados devido ao desprezo ou à
clamorosa denúncia; mas aqui estava uma
promessa da própria presença do Senhor por
todos os dias, e isso, para Jeremias, era
uma garantia de força e proteção em meio a
todas as dificuldades e perigos de seu
futuro ministério. O profeta certamente
precisava de uma grande dose de coragem,
pois, pouquíssimos homens já foram
confrontados por uma missão tão formidável".
Se prestarmos atenção nos tempos em que o
nosso profeta teve que cumprir o seu
ministério, compreenderemos melhor as suas
dificuldades, e, talvez, não fracassaremos
em reconhecer algumas similaridades com os
nossos tempos, dando, assim, uma ênfase
maior à “Voz”.
As características do tempo de Jeremias
(também verdadeiro em relação a todos os
profetas) eram:
1. Declínio espiritual
A graduação e a diminuição dos valores e
padrões verdadeiramente espirituais. A
perda do significado interior e celestial
das coisas divinas.
2. Formalismo religioso
Religião, sim. Todas as externalidades,
formas e técnicas estavam lá. As Escrituras
tinham sido perdidas, mas uma tradição – de
tipos e de medida – ainda permanecia. A
religião entrou por um bolso, mas a
aplicação vital saiu por outro. Jeremias –
falando por Deus - disse: "Eles deixaram a
mim, o manancial de água viva, e cavaram
para si cisternas rotas, que não podem reter
a água." (grifo nosso)
3. Degeneração moral
Houve um perfeito deslizamento dos padrões
morais na nação. A veemência do ódio
demonstrada contra o profeta foi, em grande
parte, devido ao seu alto padrão de pureza
moral e espiritual, e essa veemência mostrou
quão longe a nação tinha ido em sua
degeneração moral.
4. Obsessão comercial
O critério de sucesso tinha se tornado
aquele do ganho material e comercial. Aqui
tinha ocorrido uma distorção satânica.
Embora a prosperidade material e o progresso
fossem uma marca da benção de Deus naquela
velha dispensação, como sinal da aprovação
divina de fidelidade ao Seu pacto e a Sua
palavra, porém, agora o ganho tinha se
divorciado da vida santa. Assim, o mundo e
seu negócio tinham se tornado inimigos da
vida espiritual, corrompendo-a. A mentira
ardilosa do grande enganador era que, se
você tivesse meios, dinheiro, posses, etc,
você podia servir a Deus com eles. Porém, os
profetas diziam: “Não, nunca!” Deus disse
“Fora com isso; não aceitarei nenhuma ovelha
dos seus rebanhos, nem boi de suas tendas.
Vossos ouros e pratas estão poluídos."
"Grande negócio", absorção comercial, podem
se tornar uma grande fascinação, uma
obsessão, um ladrão do progresso
espiritual.
5. Desastre pendente
Havia sinais ameaçadores por toda a parte.
As nações estavam em guerra e agitadas. Caía
um reino após o outro. Novos poderes
levantavam-se das cinzas do poder anterior.
A atmosfera estava cheia de ameaças. A única
solução era empregar mais ferocidade e
violência. O desastre não era algo estranho
à consciência. Ninguém tinha qualquer
sensação de segurança ou garantia de
permanecer vivo. Sob tal condição,
principalmente focada sobre Jerusalém, as
pessoas reagiam com uma falsa coragem,
temeridade e presunção. Assim, Jeremias, que
mantinha o iminente julgamento em vista, foi
acusado de ser um traidor, sendo lançado no
calabouço, a fim de que se calasse. Suas
advertências tinham encontrado rostos mais
duros que uma pedra. (2:23,35; 7:28). A
culpa foi repudiada, e a correção,
rejeitada.
E aí, por um momento, temos que deixar o
assunto, e voltarmos a considerar mais
plenamente o ministério do profeta. Esta
“Voz” certamente tinha algo – e ainda tem
hoje – a dizer a toda testemunha e servo
duramente espremidos por Cristo. O valor –
naturalmente – somente serão alcançados por
aqueles que, como Jeremias, são tentados a
desanimar e a sentir a impossibilidade da
situação.
Capítulo 2 – A voz de Jeremias
"Eles não conheceram ... as vozes
dos profetas que eram lidos todos os
sábados" (Atos 13:27).
"Quando se completarem os setenta
anos, castigarei o rei da Babilônia e a
sua nação, a terra dos babilônios, por
causa de suas iniquidades", declara o
Senhor, 'e a deixarei arrasada para
sempre" (Jeremiah 25:12).
"Agora, no primeiro ano de Ciro, rei
da Pérsia, para que se cumprisse a
palavra do Senhor dada aJeremias, o
Senhor despertou o espírito de Ciro, rei
da Pérsia, para que fizesse uma
proclamação por todo o seu reino..." (2
Crônicas 36:22, Esdra 1:1 em diante: ver
também Isaías 45:1-8).
Eis aí uma vindicação de Jeremias. Mas
ele não viveu para vê-la cumprida. Aí
reside uma das coisas mais desafiadoras
que um fiel servo do Senhor pode ter que
aceitar. Jeremias tinha que cumprir o
seu ministério sabendo que, no que dizia
respeito ao seu próprio tempo e povo,
aquilo seria um aparente fracasso; ele
não viveria para ver cumprida esta parte
de sua comissão - "edificar e
plantar" (Jeremias 1:10). Quantos servos
do Senhor não foram chamados para
segui-Lo neste caminho tão inquisitivo e
desafiador! Tanto eles, como o próprio
Senhor, tiveram que fazer o seu trabalho
para um tem vindouro. Nós observamos o
aparente fracasso na própria vida
terrena e trabalho do nosso Senhor,
quando "Ele foi crucificado em
fraqueza”. Vemos a deserção, a renúncia,
o descrédito e o descontentamento que
marcaram os últimos dias do curso
terreno do Apóstolo Paulo. Que plêiade
de heróis da fé solitários compõe esse
tão nobre exército de homens desprezados
e rejeitados" sobre os quais foi passado
o veredicto ‘Não valeu de nada!' Porém,
se o ministério e trabalho deles tinham
algo de Deus, então esse elemento é
eterno, imortal; irá viver novamente:
Deus irá vindicá-lo, e "os homens de
Anatote" (Jeremias 11:21,23) serão os
únicos sobre os quais a história e a
eternidade irão acumular vergonha. As
lágrimas de Jeremias irão – como diz o
salmista – ser guardadas nas taças de
Deus. Esta é uma das “vozes dos
profetas” que, embora não ouvida pelos
apáticos ouvidos espirituais, será
gritada para que todos a ouçam através
dos eventos da história. Esdra e Nemias,
e as visões de Daniel em cumprimento,
serão a resposta ao ministério rejeitado
de Jeremias.
Ciro pode ser um pagão, sem qualquer
conhecimento pessoal do Senhor, mas sua
solicitude irreligiosa pelos interesses
de Deus irá declarar de uma vez por
todas que, embora Jeremias possa ser
ignorado, o Deus que o chamou e o ungiu
não pode ser rejeitado. Se há uma voz
que grita a partir do livro de Jeremias
é a voz da Soberania Divina. O livro
inteiro pode ser resumido nas palavras
do Senhor ao seu servo na casa do
Oleiro: "Não posso fazer com
você...? (Jeremias 18:1-11). A Soberania
de Deus é algo irresistível. Pergunte a
Jerusalém e à nação judaica sobre aquele
ano 90 A.D., quando as palavras
soberanas de Jesus Cristo, como
registradas em Lucas 19:41-44, foram
literalmente cumpridas.
Tanto mais, então, em relação à ‘voz’
inclusive de Jeremias. Mas quais foram
algumas das coisas que o nosso profeta
teve especificamente que enfrentar e
clamar contra? Podemos colocar isso numa
frase: Ele clamou acerca de certos
contrastes básicos e fundamentais.
Chamamos a atenção para três:
1. A Fonte e as Cisternas
Este é um contraste que o Senhor
veementemente chamou de “mal” - "O meu
povo cometeu duas maldades; a mim me
deixaram, o manancial de águas vivas, e
cavaram cisternas, cisternas rotas, que
não retêm as águas" (Jeremias 2:13).
Fiquemos devidamente impressionados –
antes de prosseguirmos – com o
julgamento do Senhor sobre este
procedimento alternativo, é mal! O
Senhor diz que isso é um mal que está no
fundamento.
Há vários aspectos dessas alternativas.
(a) A característica de Um (o Senhor) e
a característica de muitos: a Fonte, e
as muitas cisternas.
Aqui nós temos uma voz de profeta que,
tendo sido esquecida, resultou em – não
só na ruína de Israel – mas, em grande
parte, do Cristianismo organizado, e não
está ausente no Cristianismo evangélico.
É uma questão para a qual a Bíblia dá a
mais séria atenção, e sobre a qual o
Novo Testamento está, em grande parte,
construído. Não é outra questão senão
aquela da auto-suficiência de Deus, por
um lado, e de outro, os muitos
dispositivos humanos. É a exclusiva e
final plenitude de Deus, ou –
alternativamente - a independente e
sobressalente cisterna do esforço
humano. Este e princípio inerente à
Fonte ou às muitas cisternas escavadas.
Em quanta obra e atividade cristã tem
essa questão se tornado uma realidade!
Desde os primórdios do relacionamento
ativo do homem com Deus tem havido esta
propensão incorrigível de o homem
“estender a sua mão” e colocá-la de
forma possessiva ou controladora nas
coisas de Deus. Provavelmente este foi o
pecado de Satanás (de Lúcifer) que o
levou à queda, e foi essa a essência que
ele usou para tentar e enganar Adão. É
por isso que Deus chama isso de ‘mal’. É
o mal de dividir o lugar de Deus; de
insinuar a independência do homem, e de
implicar a capacidade do homem. Isso
está no coração do humanismo, da
autocracia, da ditadura. É a essência do
termo simbólico tão frequentemente
referido no Novo Testamento – “a carne”.
É o princípio do ‘coração incircunciso’,
que – como os ‘Filisteus incircuncisos’
– se insinua nas coisas de Deus. É muito
significativo o fato de que os Filisteus
só foram finalmente subjugados quando
Davi assumiu preeminentemente o trono. A
mão deles era contra o trono. Somente
quando Cristo for o Senhor absoluto é
que esta tendência a auto-afirmação será
anulada.
O que representam essas muitas
“cisternas” em suas formas e naturezas é
algo incontável; são muitas as coisas
produzidas pela força, inteligência e
ingenuidade humana para que se possa
ordenar e catalogar.
Há uma razão bastante séria e
prudentemente solene por Jesus, após ter
dado a ordem e a comissão a seus
discípulos de irem por todo o mundo, ter
acrescentado: “ficai ... até que do alto
ejais revestidos de poder" (Lucas
24:49); "Ele ordenou que não partissem
... mas que esperassem pela promessa do
Pai" (Atos 1:4). A comissão de ir ao
mundo jamais deve ser tomada na base da
energia natural. Somente o Espírito
Santo, e isto como um pouco de história
pessoal, deve ser a fonte da obra de
Deus.
(b) Outra diferença é indicada em nosso
texto.
As cisternas cavadas pelo homem não
conseguem “reter água” Talvez a ênfase
deva ser colocada sobre a palavra
“reter”. Elas estão ‘vazias’ porque
vazam. Precisam ser repetida e
continuamente enchidas artificialmente.
Seus cavadores estão envolvidos com
árdua tarefa de encontrar e repor os
recursos. Eles conseguem água, mas ela
escapa, e a secura exige mais e mais
esforço humano para impedir o vazamento.
Que descrição verdadeira sobre tudo
aquilo que procede dessa atitude humana
de colocar as mãos na obra de Deus! As
cisternas do homem realmente são
cisternas que vazam. Por outro lado,
existe a Fonte - cheia, completa,
inesgotável e sempre fresca; jamais fica
estagnada.
"A água que eu lhe der se fará nele uma
fonte a jorrar para a vida eterna" (João
4:14).
"Do seu interior correrão rios de água
viva" (João 7:38).
Que coisa maravilhosa é ter um céu
aberto, e jamais ter que ‘cavar’ uma
mensagem, um discurso, um ministério, um
empreendimento! Foi contra essa
desgastante, decepcionante e laborosa
vida que Jeremias testificou, e a sua
“Voz” precisa ser ouvida, pois algo
muito terrível tem limitado a vida do
Senhor. A plenitude é sempre uma marca
do prazer do Senhor.
2. O Trigo e o Joio
"O que tem a palha com o trigo, diz o
Senhor (Jeremias 23:28 AV).
O primeiro contraste favorável ao
ministério de Jeremias tinha a ver com a
fonte de vida do povo de Deus; o
segundo, com a ministração a eles, com o
ensino. Este desafio e interrogação
direta do “Senhor dos Exércitos”, como
mostra o contexto, foram direcionados
aos falsos profetas. "Tenho ouvido o que
dizem os profetas", etc. (verso 25 em
diante). Os profetas diziam ter uma
visão, um sonho, uma revelação da parte
do Senhor, porém, tudo aquilo era vazio
e irreal como a palha.
Quais são as características da palha? A
resposta a esta questão vai provar se o
ministério é do homem ou é de Deus; se é
falso ou verdadeiro. Observe que a
conexão imediata aqui é aquela da
Palavra de Deus, e o que está indicado
em todo o parágrafo é que há muita coisa
que alega ser Palavra de Deus, mas que,
na verdade, não é. Entre aquilo que é
oferecido como sendo Palavra de Deus e
aquilo que realmente é Palavra de Deus
existe uma grande diferença, tal qual há
entre o joio e o trigo.
(a) A palha é tão leve e tão sem
substância que pode ser facilmente
levada pelo vento, de modo a não mais
ser encontrada novamente. Ela possui
pouco peso espiritual. É um ministério
que serve apenas para agradar e dar
comichão nos ouvidos. É algo
completamente superficial, sem
profundidade. Não há nada de sólido a
respeito dele; não há ‘corpo’. É bonito,
inteligente, discursivo, de discurso
fácil, difuso, porém, não possui poder
algum.
Jeremias combatia fortemente contra
esses homens que ofereciam algo tão
inconsistente para um povo tão
necessitado.
(b) Juntamente com esse aspecto,
segue-se o fato de que a palha engana.
Ela possui uma aparência de trigo,
estando associada a ele, porém, não é
trigo. É um fingimento e não uma
realidade. Possui uma linguagem, uma
fraseologia, os termos, mas é diferente
do trigo, e por isso, engana. É algo que
fica do lado de fora, e não resiste à
realidade.
(c) A palha não é alimento. Ela jamais
irá satisfazer. Desnutrição espiritual
será o resultado de tal dieta. Nela não
há propriedade nutricional nem
construtiva. As almas famintas procuram,
mas não são alimentadas. Elas têm fome
de pão. O tipo da pessoa, em relação a
sua medida espiritual, irá nos mostrar
com o que ela tem sido alimentada.
A real Palavra de Deus é diferente da
palha em todos os aspectos acima. Ela é
eficaz. Observe o que se segue em nosso
texto. Uma série de outros contrastes
está implícita.
"Não é a minha palavra como fogo? Diz o
Senhor."Ela queima, derrete, purifica e
prova.
"E como um martelo que esmiúça a rocha?
"Mais cedo e mais tarde a palavra
verdadeiramente dada por Deus irá
desfazer toda resistência e
auto-confiança. Jesus disse: "A palavra
que vos digo, essa o irá julgar no
último dia”. (João 12:48). O verdadeiro
ministério do Senhor edifica, satisfaz,
reside, e – no tempo ou na eternidade –
determina.
A advertência final no ministério como
na “voz” deste profeta é “fidelidade” -
"Fale a minha palavra com fidelidade".
O próprio Jeremias foi um grande exemplo
disso, mais do que qualquer um antes ou
depois. A fidelidade foi algo que lhe
custou muito caro. Custou-lhe rejeição,
ostracismo, espancamento, calabouço
lamacento, vergonha, opróbrio e muito
mais; mas Deus o vindicou na história,
e, diga o que quiser sobre a sua
‘melancolia’ e ‘pessimismo’, porém, ele
está – como temos dito – muito próximo
ao nosso Senhor Jesus, na condição de
“servo sofredor”, mais do que qualquer
outro homem já esteve. Porém, os
sofrimentos dele deram os seus frutos no
‘remanescente que retornou’, e ele tem
um lugar de honra no Novo Testamento.
(Veja o nosso próximo ‘contraste’).
3. Os Dois Pactos
"Eis que vem dias, diz o Senhor, em que
farei um novo pacto com a casa de
Israel..., não conforme aquele pacto que
fiz com os seus pais... o qual eles
quebraram" (Jeremias 31:31-32).
A imensidade desta “Voz” do profeta pode
ser detectada tanto no Cristianismo como
em toda a dispensação, desde o primeiro
ao segundo advento de Cristo, pois estão
edificados e constituídos da mesma
maneira. A Carta aos Hebreus é uma
definição abrangente da natureza desta
dispensação, e, no coração desta Carta
repousa a mesma citação de Jeremias.
(Veja Hebreus 8:6, 9:15, 12:24.)
Além disso, foi a isto que Jesus se
referiu quando disse: “Esta é a nova
aliança no meu sangue”. Certamente
Jeremias está vindicado! O contexto de
Jeremias 31:31 é aquele do “Ramo”, e
este “Ramo” é chamado "Jehovah-Tsidkenu"
– o Senhor justiça nossa (Jeremias 23:6,
33:16). Sobre isto repousa toda a nossa
salvação – em Cristo. Isso é um assunto
muito vasto para que possamos abordá-lo
aqui.
O que estamos preocupados de imediato é
com o contraste entre os dois pactos. Em
relação ao Velho, o que precisamos é
apenas ler as Cartas aos Romanos e
Gálatas, a fim de ver a deplorável
situação em que se encontravam os Judeus
nos dias da vida terrena de Cristo. Uma
palavra cobre toda a condição
multifacetada, a qual era simplesmente
terrível; a palavra é ‘escravidão’. É
isso que o Velho Testamento produziu na
vida – ou na existência. Por quê? Porque
tudo estava do lado de fora! Era uma
estrutura construída sobre a areia
movediça da fraqueza e da depravação
humana. Suas demandas apenas mostraram a
impotência da natureza humana. Em sua
presença o grito de um homem condenado
era o grito de todos os homens:
"Miserável homem que sou, quem me
livrará do corpo desta morte?" (Romano
7:24). É uma longa história que quebra o
coração do homem fracassado por causa da
natureza humana. A justiça é a grande
questão. O que significa Deus tendo tudo
o que Ele tem por direito no homem, em
relação ao caráter. Mas o homem não
consegue corresponder a isso. Mas ele
precisa! E aí temos um problema. Deus
precisa ficar satisfeito, caso
contrário, o homem estará condenado.
Bem, este primeiramente é todo o caso
para a justificação e glória.
Aqui, então, entra o Novo Testamento,
cujos termos foram prenunciados por
Jeremias. Há dois aspectos: um é a
natureza; o outro, são os Meios.
Jeremias 31:33 – citado pelo escritor da
Carta aos Hebreus: "Porei a minha lei no
seu interior, e a escreverei em seu
coração." Colocamos em itálico.
- "interior... seu coração". Nesta
dispensação tudo é interior. Isso
determina se o Cristianismo é verdadeiro
ou falso. Esta é a grande questão
terminal representada pela Carta aos
Gálatas. Quanto aos Meios – observe a
letra maiúscula M – o Apóstolo Paulo tem
duas grandes palavras: "Deus... quem
resplandeceu em nossos corações, para a
iluminação do conhecimento da glória de
Deus na face de Jeseus Cristo"; e
observe, o contexto dessa afirmação é o
Velho Testamento - 2 Coríntios 4:6: e
"Cristo em vós, a esperança da glória” (Colossenses
1:27).
Os Meios é Cristo dentro de nós pelo
Espírito Santo.
Esta foi uma revelação salvadora para
Jeremias. O livro que leva o seu nome
trata exatamente disso: quão sem
esperança pode ser a revelação do estado
miserável do homem. Bem, pode o profeta
chorar e gritar de angústia mortal! Mas
não é uma desesperança eterna. O “Ramo
de Justiça” irá se levantar - "O Senhor,
Justiça nossa". Que ‘voz’ de profeta!
'Todos os sábados; porém, eles não o
conheceram.' Desesperança dobrada e
confirmada devido a dureza de coração,
orgulho e preconceito.
Deus abra os nossos ouvidos interiores!
"Eles não conheceram ... as vozes dos
profetas que eram lidos todos os sábados"
(Atos 13:27).
A Busca Por um Homem
"Dai voltas às ruas de Jerusalém, e vede
agora; e informai-vos, e buscai pelas suas
praças, a ver se achais alguém, ou se há
homem que pratique a justiça ou busque a
verdade; e eu lhe perdoarei." (Jeremias
5:1).
Há duas palavras preliminares necessárias à
consideração desta tão terrível implicação.
Uma é que esta sugestão não deve ser tomada
de forma absoluta e final, embora pareça
implicar que não havia nem um único homem em
Jerusalém que falasse a verdade. Mas nós
sabemos que Jeremias não estava
completamente sozinho nessa busca pela
verdade. Havia, pelo menos, alguns que
permaneceram fiéis em seus corações, embora
o declínio fosse muito grande. A outra coisa
é que, apropriado como possa ser, como
desafio para o nosso próprio tempo, nós
também não estamos sugerindo aqui que haja
em nossos dias tal estado geral de rejeição
e de rebelião contra Deus e uma aliança com
os deuses pagãos, como se deu entre o povo
de Deus no tempo de Jeremias.
Tendo dito isso, nós ainda sentimos que há a
ocasião e a necessidade de que esta ‘Voz’
seja atendida. É a busca por um homem, e a
ênfase deve ser colocada sobre “um homem”.
Deus nos revela na Bíblia que Ele está
sempre à procura de um homem. Na criação e
ao longo de toda a história, a Bíblia mostra
como o coração de Deus está em busca de um
homem que seja segundo o Seu coração. Uma
questão levantada pelo salmista abrange as
eras - "O que é o homem para que te lembres
dele?” (Salmo 8:4).
Com Jeremias esta questão se torna um
desafio. É um desafio quanto ao lugar onde
possa haver um homem segundo a mente de
Deus. Pode ser que pouquíssimas pessoas
respondam completamente a este desafio, mas
há determinadas características que pesam
muito para Deus na constituição desse homem
objeto de Sua busca. Nem tudo o que o mundo
valoriza, a fim de tornar o homem admirado,
corresponde àquilo que Deus tanto preza.
Quando Pilatos trouxe Jesus e exclamou: "Eis
aqui o homem”, tudo em Jesus, em relação a
sua posição, seu sucesso, seus associados,
seu porte físico, sua aparente impotência de
“salvar a si mesmo”, suas perspectivas,
etc., colocou-o na posição do mais absoluto
desprezo perante o mundo e os homens. Paulo
estava certo quando disse: "Para os Judeus,
um escândalo, e, para os Gregos, uma
loucura”. O mundo, a mentalidade mundana,
exige como ideal o homem de sucesso, de
prestígio, que possui meios, reputação, com
capacidade natural, de um tipo ou de outro,
tal como social, físico, intelectual. Sem
essas coisas óbvias o homem simplesmente é
“desprezado e rejeitado pelos homens”.
Em em sentido contrário à estimativa do
mundo está a avaliação de Deus sobre os
valores do homem. O que foi que Jeremias
desafiou seus ouvintes a encontrar? Olhe
para a descrição e você olhará diretamente
para os olhos de Deus. Você verá que com
Deus os aspectos que caracterizam o homem
que Ele procura são valores espirituais e
morais.
Uma palavra ou virtude abrange uma grande
gama. É a palavra “Verdade”. Ela é algo
elementar. Isto é, não é algo fabricado ou
combinado. A verdade possui princípios em
sua própria natureza. O que é feito pode ser
desfeito. A verdade é uma essência. É algo
fundamental, indestrutível. Se alguma coisa
pode ser destruída, aniquilada e acabada,
então não é a verdade. A verdade é eterna.
Deus não irá tolerar nem se comprometer com
nada que mais tarde venha ser revelado como
sendo mentira. A verdade é um elemento
espiritual.
Aí está a mais profunda razão porque Deus é
tão intensamente zeloso em relação à
verdade. Toda a história do naufrágio e
ruína, do pecado e todas as suas
consequências neste mundo, deve-se a uma
mentira inicial e fundamental. Foi uma
mentira a respeito de Deus. Foi uma mentira
a respeito do homem. Foi uma mentira a
respeito do destino do homem. A mentira foi
uma decepção, um engano, um truque e um
laço, uma distorção, uma invenção e uma
fabricação, uma perversão, um mito, um
subterfúgio, um disfarce, uma falsificação;
foi uma hipocrisia e um fingimento. Foi, em
natureza, uma ‘serpente na grama’, um ‘lobo
em pele de ovelha’, um Satã disfarçado de
‘anjo de luz’. Como uma picada de serpente,
a mentira entrou no sangue da humanidade e
impregnou a própria constituição do sistema
do mundo. No início a mentira pareceu muito
simples, mas no final será algo muito
complexo, tão absoluto e flagrante que os
homens irão “crer na mentira, ao invés da
verdade”, porque dessa maneira eles
conseguem obter mais facilmente os seus
objetivos. Nós estamos agora vivendo uma
época em que os sistemas e as ideologias
reinantes têm repudiado a existência de algo
como a verdade, a qual é ridicularizada e
combatida. Por isso o mundo e a sociedade
estão se desintegrando. Não há segurança nem
garantia em lugar algum.
Não é de admirar que Deus abomine tanto toda
e qualquer aparência de inverdade, e que o
ódio de Jesus pela mentira fosse tão
ferrenhamente demonstrado por Ele contra
todos os hipócritas e mentirosos de Sua
época.
É por isso que Deus dá tanto valor ao homem
que “fala a verdade, mesmo que tenha
prejuízo”; que, não somente fala a verdade,
mas que vive a verdade. A verdade é algo que
procede do “íntimo”. A estrutura, os
instrumentos, os meios empregados e
abençoados por Deus podem passar, mas o
valor espiritual interior que é o próprio
Deus, isso irá permanecer para sempre;
jamais será destruído.
De tudo o que pode ser dito sobre os
profetas, é esta “Voz” que é o maior
desafio. Eles permaneceram solidamente
contra todas as formas de falsidade. E,
quando Satanás buscou desacreditá-los por
meio de “falsos profetas”, eles resistiram
e, por fim, Deus vindicou a verdade.
Nós temos que permanecer na verdade, porque
a queda de Satanás e todos os seus
resultados devastadores são atribuídos ao
seu “não permanecer na verdade”.
Concomitantemente à verdade está outra
virtude que Deus valoriza muito. A Bíblia
faz muito disso em relação ao homem de Deus.
Isto é mais do que a voz das palavras dos
profetas, é a característica dos próprios
profetas. Refiro-me à coragem espiritual.
Essa virtude, como sabemos, foi
uma característica muito real de Cristo, e
foi um dos evidentes frutos do Espírito
Santo nos Apóstolos e em outros, e depois, o
Dia de Pentecoste. Repetimos: os profetas
foram excelentes nesse assunto. Tal como
acontece com a verdade, assim também ocorre
em relação à coragem, muito terreno é
coberto por ela. Um grande soldado moderno
classifica a coragem como suprema entre as
demais virtudes. Se realmente analisássemos
e definíssemos a coragem
e percebêssemos todos os seus aspectos,
iríamos concordar com essa estimativa.
Há outras palavras e outras maneiras de
dizer a mesma coisa. Por exemplo, não há
nenhuma palavra nesta categoria que consiga
mostrar a estimativa de Deus sobre este
valor mais do que a palavra fidelidade.
Fidelidade é a própria essência e
personificação da coragem. Deus associou a
coroa da vida à fidelidade.
"Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da
vida." Fidelidade a Deus. Fidelidade à
verdade. Fidelidade àquilo que Deus tem
mostrado. Fidelidade à nossa confiança.
Fidelidade ao nosso irmão. Uma palavra que
carrega o mesmo significado e pode nos
trazer para mais perto do aspecto prático é
a palavra lealdade. É necessária coragem
para ser leal. O contrário de coragem é
covardia, consenso, política, diplomacia; é
qualquer coisa que sacrifique um princípio,
a fim de se obter um ganho pessoal, uma
vantagem, uma conveniência. A deslealdade é
a característica mais desprezível.
É muito custoso ser leal, corajoso, e fiel,
e isso significa que, algumas vezes, ela
coloca a nossa popularidade e aceitação em
perigo. Patrocinar uma causa, um ministério
ou um instrumento do Senhor que seja
impopular pode nos causar uma real
hesitação, caso a política e a vantagem
pessoal exerçam influência sobre nós. Paulo
disse a Timóteo: "Não se envergonhe do
testemunho do nosso Senhor, nem do nosso,
que somos prisioneiros dele." Pode ter sido
custoso naquele tempo carregar o testemunho
de Jesus, mas fazia bem à alma mostrar
fidelidade àquele homem do mundo inteiro,
que agora se encontrava no ostracismo e na
prisão. Era um grande triunfo para esse
jovem permanecer fiel a Paulo até o fim.
Ele, desde então, compartilhou a vindicação
de Paulo.
Elogiamos os profetas, os apóstolos e os
mártires, porém, devemos nos lembrar de que,
no tempo deles, eles patrocinavam as causas
mais impopulares, e - aparentemente – as
mais desesperadas, e tiveram que mostrar uma
coragem suprema em grande solidão e
rejeição.
Olhe e ouça novamente suas “Vozes” como a
personificação da coragem diante de cada
possível aspecto da ‘conformidade com a
morte de Jesus’.
"Eles não conheceram ... as vozes dos
profetas que eram lidos todos os sábados"
(Atos 13:27).
Dois Reinos de Glória
"Assim diz o Senhor, não se glorie o
sábio na sua sabedoria, nem se glorie o
forte na sua força, nem se glorie o rico nas
suas riquezas; mas o que se gloriar,
glorie-se nisto: em me entender e me
conhecer, que eu sou o Senhor, que faço
beneficência, juízo e justiça na terra;
porque destas coisas me agrado, diz o
Senhor" (Jeremias 9: 23-24).
De todos os contrastes que deram ocasião ao
ministério de Jeremias, é difícil dizer qual
foi o mais significativo. Mas, quanto mais
consideramos este com o qual temos que lidar
agora, mais ficamos impressionados, tanto
com a sua gama como com o seu significado
final. Os profetas certamente falaram de
algo que tinha um significado muito mais
pleno do que aquele que eles conheciam,
porém, o Espírito de Deus, que falava
através deles, conhecia tudo, de trás para
frente. Se falaram para a sua própria época
e condições, pelo menos a nossa declaração
base em Atos 13 declara que eles falaram
para todas as gerações seguintes. Mas o
discernimento e a visão espiritual irão
enxergar muito além de seus enunciados. Isto
é muito verdadeiro sobre a passagem agora
considerada. Muito tem sido escrito sobre o
lugar e a importância de Israel na história,
e, sem dúvida, muito mais irá se desenrolar
com o desdobramento da história mundial.
Existem dois aspectos disso que precisamos
destacar, a fim de compreendermos os
profetas. Esses dois aspectos são dois
aspectos de uma única coisa, o certo e o
errado. Uma é
A Representação de Israel na História
Terá sido suficientemente reconhecido que
Deus escolheu a nação Hebreia para ser uma
representação na história de Seu pensamento
eterno para a humanidade e para o mundo? É
isso que está por trás dessa nação eleita.
Isso explica os poderosos atos soberanos de
Deus e as Suas maneiras de proteger essa
nação. Isso explica suas infinitas dores e
paciência para com essas pessoas. Isso
explica a Sua graça e amor por uma nação que
o provocou a um grau extremo. Na
constituição e formação da vida dessa nação,
Deus introduziu todas as características
espirituais de seu Filho de maneira
simbólica. Desde Abraão, com sua história e
experiência, na redenção, separação,
provisão, disciplina, ritual, leis,
sacerdotes, sacrifícios, tabernáculo (em
todas as suas partes), conquistas, herança,
e muito mais, Deus sempre teve o seu Filho
em vista.
Isso significa que tudo, em termos de
princípio e de base, que foi destinado para
a humanidade na economia total e definitiva
de Deus, foi representado e era inerente a
um Israel segundo a mente de Deus. Se Israel
fracassou com Deus em sua própria vocação,
esse fracasso não foi nada menos do que uma
repetição do fracasso de Adão, e uma
repetição de ambas as razões, a “queda” e as
suas consequências.
Então, chegamos aos profetas, cujo negócio
era expressar novamente os pensamentos de
Deus para Israel e para o mundo; mostrar
como esses pensamentos tinham sido violados;
qual era a natureza da apostasia; e quais
seriam as terríveis consequências. Eles
foram movidos pelo amor ciumento de Deus por
seu propósito eterno, e, vendo que o
propósito não era simplesmente uma mera
ideia abstrata, mas sim uma personificação e
uma expressão, então, o amor e o ciúme de
Deus se focaram num povo escolhido, a fim de
que esse povo pudesse representar o
propósito de Deus.
Por meio dessa visão mais ampla, somos
capazes de enxergar quais são as implicações
e qual é o significado da nossa atual
Escritura, que é Jeremias 9:23-24. Aqui o
Senhor coloca a Sua desaprovação e o Seu
veto sobre um princípio que trabalha em três
direções. Mas antes precisamos compreender
que, quando Deus diz “não” em relação à
“sabedoria”, “poder” e “riquezas”, Ele não
está condenando essas coisas. Em outro lugar
Ele abençoou todas essas três coisas, e
jamais disse que, em si mesmas, elas eram
erradas. Uma das estratégias de Satanás tem
sido a de tornar as coisas boas em más, e as
más em boas. Esse “não” triplo de Deus está
se referindo à ‘glorificação’ dessas coisas;
isto é, dar a elas a glória da vida. É a
velha e original sutileza da serpente em
operação novamente, a fim de roubar a glória
de Deus; o antigo ciúme e inveja de Lúcifer.
É a afirmação do egoísmo humano de querer
conhecer, dominar, possuir, sem fazer
referência ou deferência a Deus; é a
independência do egoísmo. Preste atenção
nessa última palavra, pois ela é a chave de
tudo aquilo que é contra Deus.
Chegamos, pois, ao tríplice desenrolar do
princípio.
1. O Culto ao Intelectualismo
Um ‘ismo’ é um culto. Significa que aquilo a
ele referido se excedeu, indo além de si
mesmo, de seu valor e propósito, e se tornou
um objetivo em si mesmo; algo final; um
propósito, uma paixão, uma dominação, um
interesse absorvente. Assim que você
acrescenta um ‘ismo’ a alguma coisa, você
decide que aquilo seja algo que tenha um fim
em si mesmo. E, mais cedo ou mais tarde,
aquilo irá assumir a forma de uma religião,
isto é, um objeto de adoração.
Quão verdadeiro isso é em relação
ao intelectualismo! Tão logo um jovem se
estabeleça no curso do intelectualismo,
fazendo dele o seu principal negócio, aí
começa a batalha da fé em Deus. Ele se torna
intelectualmente superior à fé em Deus.
É nesse ponto que devemos que indicar o
final e consumado desenvolvimento daquela
oferta primal pelo conhecimento de Deus,
ignorado o u repudiado. É uma lei neste
universo que uma simples semente tenha em si
toda a potencialidade para encher o mundo,
desde que não seja frustrada ou destruída.
Uma semente de conhecimento independente e
egoísta semeada no ‘jardim’ está agora em
seu ponto de maturação, e uma terrível
colheita é iminente. Por que é que aquele
conhecimento – não necessariamente mau em si
mesmo – tem alcançado uma dimensão que
ameaça devastar toda a criação e toda a
humanidade qualquer dia desses? Por que é
que o homem que vai ao espaço e que exerce o
domínio sobre forças nucleares demonstra ser
totalmente incapaz de lidar com o grande
declínio e a total quebra das leis morais?
Por que é que na era mais avançada de todas,
cientificamente falando, o barbarismo, a
desumanidade, a crueldade, a luxúria e a
destruição marcam a vida do mundo?
Hoje os líderes da pesquisa científica estão
tendo que alertar o mundo sobre o
indescritível holocausto que pode advir
dessas pesquisas. Por que? Não está evidente
a qualquer observador que existe mais
impiedade hoje no mundo do que havia antes?
Deus está recebendo cada vez menos espaço
público na política, na indústria, na
sociedade de países antes conhecidos como
‘Cristãos’; e o secularismo, o ateísmo e as
ideologias que negam a Deus dominam cada vez
mais o mundo. O ponto é que tudo isso avança
enquanto o culto ao intelectualismo e ao
racionalismo se levanta paralelamente ao
longo do declínio moral e religioso.
Se a lamentável situação de Israel por
tantos séculos faz de si uma representação
do reverso do propósito de Deus, não estará
o mundo seguindo na direção desse mesmo
descaminho?
A Bíblia começa com o caos; vai ao cosmo;
volta ao caos, e termina no cosmos – “um
novo céu e uma nova terra"; mas o fim só
será alcançado quando Deus ocupar o seu
lugar de direito na mente dos homens. Houve
um intelecto, há aproximadamente dois mil
anos, que manteve os intelectuais em plena
atividade, e ainda os mantém. Seria uma boa
coisa dar uma consideração mais séria ao que
disse certa pessoa a respeito da sabedoria
deste mundo; quais são seus limites; o que
ela é capaz de fazer; e qual é o veredicto
de Deus sobre ela. Está na primeira Carta
aos Coríntios, capítulo 1:18-2.
2. O Culto ao Poder
"Não se glorie o forte em sua força."
Tendo nós rastreado o culto ao
intelectualismo, a desordenada busca por
conhecimento, até o início do declínio do
homem, não é difícil vermos que a busca por
um poder independente de Deus também é uma
parte da mesma peça. Adão está no registro
como tendo projetado sua vontade, bem como a
sua razão, na direção da auto-exaltação. Ele
foi, como diz a Bíblia, ‘criado para ter
domínio’, sim, porém, em sujeição a uma
Cabeça (Cristo). Mas ele abandonou a sua
Cabeça, violou a liderança divina, a fim de
ser o seu próprio mestre, e perdeu o domínio
pretendido por Deus. Mas ele se afirmou em
sua auto-soberania independente, e o mundo é
o que é hoje por causa disso.
O homem nunca perdeu o senso de que fora
criado para ter domínio, mas, paralelamente
a isso, corre uns sensação inata de que
alguma coisa se perdeu, devido a um senso de
inferioridade, ele é impulsionado a tentar
recuperar o que fora perdido. Esse senso de
perda está por trás de todas as suas lutas,
guerras, e esforços em busca de
superioridade. Algumas vezes defensivas,
outras, ofensivas; por vezes o desespero e a
frustração, frequentemente um faz de conta,
um fingimento, um espetáculo, uma
ostentação, um barulho. Este desejo por
poder tem destruído a paz e a segurança que,
e, como um fantasma, arrasta o homem cada
vez mais para a frustração e derrota. Isso
tem invadido a política, a indústria, a vida
social, e as ambições nacionais e
internacionais. Não tem poupado nem a
religião, mostrando suas garras nas
rivalidades, nas invejas, nas facções, e nos
debates dentro do Cristianismo organizado. O
tecido da vida é completamente atingido com
a expansão da afirmação primaz, original e
inicial do desejo pelo poder, o ego, o
individualismo. Esse desejo deslocado por
poder está trabalhando para a destruição
universal, e 'guerras para acabar com
guerras’ é uma falácia, uma desilusão, um
escárnio. A única coisa da qual o homem
sente necessidade é de achar um super-homem,
pois ele se desespera do mundo sob seus
fantoches. Certamente a história está
evidenciando o engano fatal cometido em
algum tempo, o qual aponta para a
necessidade irrefutável de o homem ter uma
Cabeça (Cristo). A busca por poder, como
algo pertencente ao homem, foi, e ainda é,
uma revolta contra Deus e sua divina
autoridade; e o resultado é a anarquia.
O elemento de esperança em tudo isso é que
um clímax está muito próximo, e que a Cabeça
ungida por Deus, que é Cristo, o Herdeiro de
todas as coisas, muito em breve virá, porque
a taça da iniquidade já está quase cheia.
3. O Culto às Riquezascenter>
"Não se glorie o rico em suas riquezas."
Será que é necessário gastar tempo
discutindo ou apontando para o fato de que
possessividade, em matéria de bens,
dinheiro, e o ‘ter tudo’, tornou-se
algo adorado pelo homem além de todos os
limites? Não vamos estender esta discussão,
mas apenas trazer esta “Voz dos profetas” ao
lugar onde ela foi especificamente
endereçada. O principal erro incluiu este
aspecto. Ela pode ser resumida em três
palavras:
"E vi." "Eu cobicei." "Eu peguei."
E foi para o povo do Senhor que o profeta
falou em primeira instância.
O escritor dessas mensagens, por um longo
período de anos, viajou por muitas partes do
mundo com um objetivo, qual seja: o aumento
e o fortalecimento da vida espiritual do
povo de Deus. Diversas vezes ele ficou
impressionado com o seguinte fato: onde
prevalece o interesse e a absorção pelo
negócio de ganhar dinheiro, aí há maior
dificuldade de se falar a respeito das
coisas do Espírito. Esta impressão tem sido
confirmada pelo fato igualmente evidente de
que, onde a vida é mais simples, ou até mais
difícil, aí a disposição de coração para o
conhecimento mais pleno do Senhor é mais
forte e puro.
Esse outro ‘ismo’ tem fortemente invadido o
Cristianismo, principalmente o ‘comercialismo’,
que está minando e drenando a vida
espiritual. Na verdade, é uma ameaça
definitiva à espiritualidade. Não estamos
criticando o peso de responsabilidade no
mundo dos negócios, nem os grandes problemas
e demandas dos cristãos no mundo dos
negócios. Nós nos mantemos perto do alerta
de Jeremias sobre o perigo de o
comercialismo se tornar um laço em relação
ao orgulho, à ambição, e ao ‘gloriar-se’ nas
riquezas. Foi o Senhor quem mandou Jeremias
alertar tão fortemente contra o laço
comercial. Muito poderia ser dito sobre a
sutileza da serpente, como ela se move com a
sua fascinação e hipnotismo na direção de
sua presa – a vida espiritual do povo de
Deus. Como “a serpente enganou” possuir sem
levar em consideração, ou fazer referência à
comunhão com Deus, assim tem sido, e o mundo
– e também a Igreja – estão muito ocupados
hoje para que possam dar a devida atenção
aos princípios e fundamentos espirituais.
Muita obra iniciada e usada por Deus, devido
ao seu caráter e pureza espiritual, mais
tarde tem perdido o seu devido lugar no
reino de Deus, por haver se tornado grande,
com sua organização, negócio, envolvimentos
e métodos comerciais. "Como o reluzente ouro
pode ser tornar tão opaco!” Se esta foi uma
pergunta, ao invés de uma exclamação, a
resposta seria um sonoro “comercialismo”.
Com tanta coisa nesses três avisos que ficou
sem ser dita, passamos para o “MAS” de Deus.
"Mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em
me conhecer e saber que eu sou o Senhor”.
No conhecimento do Senhor, volumes poderiam
ser escritos, porém, não podemos fazer aqui
mais do que observar a última implicação
desta alternativa.
Se conhecimento, poder e riquezas são tão
importantes e significam tanto neste mundo –
e realmente significam, imensamente – o
Senhor diz aqui que, incontestavelmente,
será provado pela história que conhecer o
Senhor, em Sua estimativa de valores (ver
texto), irá superar em muito todas essas
glórias transitórias.
O Apóstolo Paulo disse “a ciência cessará”;
e ele poderia ter dito o mesmo sobre o poder
e as riquezas terrenas, mas o conhecimento
do Senhor irá permanecer e superar todas as
demais coisas.
"Eles não conheceram ... as vozes dos
profetas que eram lidos todos os sábados"
(Atos 13:27).
O Dois Rolos (Jeremias 36)
Quando o Apóstolo Paulo fez esta referência
aos profetas, ele estava trazendo o
ministério deles até a data de cerca de
setecentos anos após os seus dias. Assim
fazendo, o Apóstolo mostrou que aquelas
‘vozes’ possuíam um significado duradouro. O
contexto também mostra que existe uma voz
nas Escrituras que é mais do que palavras.
As palavras podiam – e podem – ser ouvidas
“todos os sábados”, mas a voz, todavia,
ficar totalmente inaudível. Esta é uma
acusação, uma condenação, uma advertência.
Tomamos nota de várias mensagens duplas de
Jeremias; isto é, de duas coisas
contrastantes colocadas uma contra a outra.
Aquilo que passaremos a considerar agora não
é uma questão de contraste, mas sim de
duplicação: são os dois rolos. É a história
do canivete do rei com o qual ele cortou o
rolo da profecia e o lançou nas chamas.
Este incidente - no que tange o nosso
conhecimento – tem despertado a atenção em
relação à crítica destrutiva e à batalha
travada entre teólogos conservadores e
liberais, ou seja, intérpretes da Bíblia. O
incidente certamente fornece um instrumento
de primeira classe por tal controvérsia, em
relação à autoridade das Escrituras, porém,
não é nossa intenção usá-lo aqui. Se nos
prendermos exclusivamente a tal conexão,
iremos perder a “voz”, a qual possui um
significado e mensagem espiritual igualmente
importantes. Isso está mais conectado ao
segundo rolo do que ao primeiro.
A seriedade desta mensagem é encontrada no
julgamento de Deus sobre o infrator. Em
cumprimento à profecia, o corpo de Joaquim
foi lançado por cima do muro sobre os
invasores pelas próprias pessoas que não
haviam repudiado a sua ação. Isso, contudo,
prossegue um longo caminho adiante, a fim de
mostrar que uma ação tal como a dele
eventualmente acaba em desatre e calamidade;
em vergonha e retribuição, não importa
quanto possa demorar.
Qual é, então, a mensagem ou a “Voz” dos
dois rolos? O primeiro rolo foi
impiedosamente destruído e jogado fora.
Nenhuma cópia dele foi guardada por Jeremias
ou Baruque, seu escriba. Não existiam cópias
carbonadas de documentos naqueles dias. A
reprodução tinha que ser exatamente como a
primeira, isto é, uma inspiração direta de
Deus. Deus tinha que falar a mesma coisa uma
segunda vez (embora no segundo rolo houvesse
adições). O ponto é que Deus realmente falou
novamente nos mesmos termos. Façamos o que
quisermos em repúdio àquilo que Deus
revelou, e mesmo negligenciá-lo, colocá-lo
de lado, ou – como neste caso – atirá-lo
veementemente ao fogo, mas aquilo que Deus
falou irá aparecer novamente, de forma
aumentada, e o destino será determinado
dessa maneira. Esse fato aparece
repetidamente na Bíblia. Dois exemplos
notáveis são o de Jesus Cristo e o das
igrejas na Ásia. É muito evidente que, fosse
ou não Saulo de Tarso um participante da
crucificação de Jesus, espiritualmente ele
certamente o foi, e tendo acreditado que o
líder tinha sido eliminado, seguia ele,
Saulo, a fim de matar também todos os
seguidores. Sem dúvida, quando Jesus foi
morto, Saulo pensou que ele tinha recebido
aquilo que merecia. Tudo o que restava agora
era eliminar todos aqueles que tinham alguma
conexão com Jesus. Porém, jamais poderemos,
mesmo com a mais aguçada imaginação,
penetrar na surpresa, na devastação e na
devastadora perplexidade de Saulo quando ele
se deparou com Jesus no caminho para
Damasco, o qual se revelou dizendo: “Eu sou
Jesus”. O segundo rolo, por assim dizer,
tinha surgido para confrontar Saulo. Ele,
Saulo, usou o seu “canivete” e lançou Jesus
de Nazaré às chamas. E também estendeu o
mesmo serviço a Estevão. E aqui vemos o seu
encontro com o próprio Jesus, mas, agora,
com os devidos acréscimos. Nós não podemos
imaginar a calamidade que teria caído sobre
Saulo de Tarso se ele tivesse persistido
como Joaquim na rebelião.
De sua prisão, Paulo escreveu – talvez
soluçando: “Todos os que estão na Ásia se
apartaram de mim” (2 Timóteo 1:15). Abaixo
de Deus, aqueles irmãos deviam tudo a Paulo.
Ma, agora, por fim, haviam se afastado dele
e, talvez, tivessem até repudiado o seu
ministério, o ministério de “todo o conselho
de Deus”. Bem, será que isso é tudo? Não,
apenas trinta e poucos anos mais tarde temos
aquela incomparável apresentação e descrição
do Mestre de Paulo dada no primeiro capítulo
de Apocalipse. Essa descrição e apresentação
precisa ser considerada à luz daquilo que
ocorreu no abandono de Paulo, e no que se
ocorreu ao longo daqueles subsequentes
trinta anos. Com esta detalhada e simbólica
apresentação, as igrejas da Ásia são
desafiadas, interrogadas, e julgadas, e o
destino delas está na balança, ficando
inteiramente dependente da resposta delas a
Jesus – sim – e também à “Voz” de Paulo.
Então, o segundo rolo surgiu e foi
decisivo.
Essas instâncias são tais que dão um forte
argumento ao seguinte princípio: Nós jamais
poderemos fugir definitivamente daquilo que
Deus tem mostrado, seja qual seja a nossa
atual atitude. O que Deus nos mostrou irá
voltar a nós novamente, de modo que a nossa
posição eterna irá depender disso.
Naturalmente isso possui uma aplicação
multifacetada.
Em Atos 13 Paulo mostra que a tragédia de
Israel – a qual durou por muitos séculos –
foi devido a eles acharem que a negligência
ou violência deles não iriam se voltar
contra eles em juízo. Mas eles estão sob a
égide do Segundo Rolo. "Hoje, se ouvirdes a
Sua voz, não endureçais os vossos
corações”.
"Eles não conheceram ... as vozes dos
profetas que eram lidos todos os sábados."
(Atos 13:27).
O Perigo do Interesse Próprio
"Procuras tu grandes coisas para ti
mesmo? Não a procures" (Jeremias 45:5).
Quando o Apóstolo Paulo empregou as palavras
do nosso título aos “Irmãos, filhos da
geração de Abraão, tementes a Deus" em
Antioquia da Psídia, como mostra o contexto,
ele estava relacionando as “Vozes dos
profetas” particularmente à atitude e ações
de Israel em relação a Jesus de Nazaré: "Um
Salvador, Jesus". Nesses capítulos temos,
até agora, ampliado a aplicação da
declaração, mas não de forma ilegítima. As
vozes dos profetas falam de muitas
necessidades e situações, porém, como será
visto, o tempo todo mantemos em mente que
existe uma discrepância entre ouvir as
palavras e ouvir a “voz”. Jeremias tinha
definitivamente dito algo parecido. “A quem
falarei e testificarei, para que ouça? Eis
que são incircuncisos de coração, e não
podem ouvir..." (Jeremias 6:10).
O próprio Jesus disse algo nessa mesma
direção. "Por que não entendeis a minha
linguagem? Por não poderdes ouvir a minha
palavra” (João 8:43). Essa lacuna entre o
ouvir as palavras de ensino e o ouvir a voz
que está inserida no ensino, como dissemos,
pode explicar a falta de vida e de poder até
mesmo onde há muito conhecimento da verdade.
Também pode explicar as violentas
contradições, como no caso de Israel.
Passemos para nossa próxima “Voz” – o perigo
do interesse próprio.
A história da associação de Baruque com o
profeta Jeremias é muito emocionante.
Baruque era mais jovem que Jeremias. Seu
relacionamento com o profeta era mais do que
uma associação: era amizade; não era uma
ligação vazia, mas sua lealdade ao seu amigo
mais velho custou-lhe quase tudo. Desde a
primeira vez que Baruque surgiu em cena,
parece que ele nunca saiu do lado do
profeta. Quando Jeremias foi encerrado na
prisão, Baruque foi um constante visitador e
ajudador; e, quando Jerusalém foi finalmente
conquistada, ele recusou a opção de ficar
livre, preferindo permanecer ao lado de seu
velho e desgastado amigo. Quando, por fim,
Jeremias foi levado para o Egito, Baruque
seguiu o seu rastro. Baruque, então, entra
para a história e para os registros imortais
como “um amigo mais chegado do que um
irmão”. Oh, como precisamos de mais Baruques!
Esta amizade sobreviveu a uma das maiores
provas na qual algum homem, especialmente um
homem jovem, podia suportar. O primeiro Rolo
foi escrito por ele, sob o ditado de
Jeremias, e foi cortado em pedaços e
destruído no fogo pelo rei. O segundo foi
escrito com julgamentos adicionais. O
capítulo 45 indica que Baruque tinha entrado
em profundo desespero com aquilo que havia
sido escrito; então, Jeremias (ou o Senhor)
acrescentou desolações. Então segue essas
palavras de exortação, diríamos, palavras
desoladoras: "Procuras tu grandes coisas
para ti mesmo? Não a procures"
Se sentimos que isso é muito duro e cruel de
se dizer a um homem jovem de tal fidelidade
e devoção, nossa resposta virá ao longo da
linha de um horizonte mais amplo. Precisamos
olhar mais longe e ter uma visão mais ampla.
Talvez possamos encontrar uma resposta mais
satisfatória para a nossa pergunta se
deixarmos Jeremias e Baruque por um instante
e olharmos adiante, para outra situação que
teve muitos aspectos semelhantes aos deles.
Dos vales da Galileia e vizinhanças de
Jerusalém, vozes queixosas podem ser
ouvidas:
"Senhor, quem é o maior no reino dos céus?"
... "E eles disputavam entre si quem era o
maior" ... "E, então, levantou-se uma
contenda entre eles, sobre qual deles era o
maior" ... "Senhor, conceda que um se sente
a tua mão direita, e o outro à esquerda
quando vieres no teu reino” ... "Jesus
começou a mostrar a seus discípulos que ele
precisava subir a Jerusalém e sofrer muitas
coisas... e ser morto..." ... "E Pedro
começou a reprová-lo, dizendo: Longe de ti
tal coisa, Senhor: isso nunca lhe
acontecerá" ... "Esta noite todos vocês
ficarão ofendidos por minha causa" ... "E
todos eles o abandonaram e fugiram" ...
"Esperávamos que fosse ele quem devia
redimir Israel" ... "Senhor, é este o tempo
em que irás restaurar o reino de Israel?"
Quão apropriado teria sido para Jesus se
tivesse usado as advertências de Jeremias em
relação a todas as questões acima:
"Procuras tu grandes coisas? Não as
procure."
Devemos lembrar que, como foi com Jeremias e
Baruque, assim também foi com Jesus, nuvens
escuras estavam no horizonte. Muitas coisas
tinham sido ditas por ambos, as quais
apontavam para dias perturbadores e
ameaçadores. A grande prova de fogo foi
profetizada. Para os discípulos seria a
Cruz. Para Israel, a prova devastadora e
desoladora de 70 A.D. tinha sido
definitivamente anunciada por Jesus. Diante
dessas duas tragédias pendentes, não era
hora de buscar grandes coisas para si mesmo.
Mas, lá, nas últimas duas palavras, temos a
pista: "Para ti mesmo."
Nos soberanos e justos conselhos de Deus,
tanto Jeremias como Baruque foram
vindicados. Baruque tem coisas maiores do
que aquelas que ele poderia ter tido no
reino perecível deste mundo. E nós temos
apenas que ler a primeira carta de Pedro
para saber se ele achava que a perda de
todas as “grandes coisas” terrenas e
temporais, em troca da ‘preciosidade de
Cristo’, foi um mau negócio. Tudo depende do
objeto da ambição: “ti mesmo" ou “o Senhor”.
Quando o Senhor se tornou o objetivo e o fim
de toda a busca desses homens, eles, então,
entraram nas maiores coisas de todas!
"Grandes coisas"? Sim, milhares de vezes,
sim! Não para nós mesmos, mas para Ele.
Israel perdeu tudo ao se prender a si mesmo,
negando a Jesus os Seus direitos. Esse
auto-interesse foi desolador. Pedro, Paulo,
e milhares de outros, ganharam as coisas
transcendentes da eternidade e da glória por
causa dessa mudança de objetivo. "Não mais
eu”, "a Ele seja a gloria para todo sempre".
"Assim como a serpente enganou Eva ..." (2
Coríntios 11:3). A chave para todo o engano
é o individualismo. É tão sutil quanto a
serpente, e invade as coisas mais sagradas.
Escondido debaixo da nossa mais convencida
sinceridade e devoção a Deus (como cremos, e
como Pedro cria) pode estar aquele elemento
de desejo por lugar, poder, auto-realização.
Somente um devastador abalo pode revelar
esse resquício da “queda” original. Aqui,
então, está o imperativo de uma real e
profunda obra da Cruz na raiz da vida
própria.
"A qual dos profetas vossos pais não
perseguiram?" (Atos 7:52).
Até agora temos nos ocupado com as muitas
notas na voz do profeta Jeremias. Antes de
deixarmos este profeta, queremos dizer uma
palavra sobre a posição inclusiva e
representativa de Jeremias. Talvez alguns
leitores se perguntem por que deveríamos ter
começado primeiro com Jeremias, em relação a
ministério profético. Muitos escritores
teriam – muito provavelmente – colocado
Isaías em primeiro. "Jeremias” não é um
profeta fácil ou agradável de se ler. Isaías
é muito mais agradável e legível. Podemos
ter as nossas preferências entre os
profetas, mas – preferências aparte – há
razões por termos começado com Jeremias, e
haverá razões por fazermos o que fazemos em
outros casos.
Nossa principal razão por esta prioridade é
que, de uma forma mais completa do que
qualquer outra, Jeremias acentua as
características de todos os profetas. Que
variedade de características há quando
olhamos para todos os profetas! Tristeza,
esperança, desespero, alegria, amargura,
luz, escuridão, amor, raiva, etc. Embora
cada profeta possa ter mais do que um
aspecto, todos eles têm uma característica
predominante. É possível dizer de cada um
deles: 'Este é o profeta do ... ' (e dar uma
respectiva definição). Quando olhamos para
Jeremias, ficamos impressionados com muitas
características. Mas há uma inclusividade
aqui. Se a impressão predominante são as
lágrimas e o sofrimento, isso é alternado
com esperança, promessa, soberania de Deus,
e dia de Salvação por vir. O ponto é que
muitos aspectos irão compor o chamado e a
vocação do ministério profético. Vamos
observar alguns deles, aos quais Jeremias é
um ponteiro. Temos lidado com esta questão
de maneira mais plena em nosso “MINISTÉRIO
PROFÉTICO” e “AS REAÇÕES DE DEUS ANTE AS
DESERÇÕES DO HOMEM, mas não será sem
proveito indicarmos alguns pontos aqui. O
profeta e seu ministério é o ponto focal de
Movimento de Recuperação de Deus
Isso significa que a função do ministério
profético é introduzida quando as coisas se
desviaram do pleno propósito de Deus. Mas a
coisa significa mais do que isso. O desvio é
marcado por um elemento de força que envolve
o profeta num conflito positivo. Em tal
ministério não há complacência passiva à
situação, nenhum compromisso ou
apaziguamento. Pode haver um apelo, um
pedido, lágrimas e tristezas, mas não há
nenhuma trégua em relação ao declínio
espiritual. Isso está muito aparente em
todos os profetas de Samuel em diante. Eles
eram homens que lutavam, e o principal
dentre todos eles foi o próprio Senhor Jesus
Cristo. Deus tem uma mente; uma mente plena.
Essa mente foi anunciada, e a Bíblia é a
história da batalha da plena realização
dessa mente. Há um intenso elemento de
degradação na criação que, se for deixado
por conta de sua própria natureza, corre
selvagem e perde totalmente a sua
característica. Nada sobe – ascende – sem um
combate contra essa propensão. A Bíblia
enxerga esse elemento que foi introduzido
como fazendo parte de um tremendo passo do
homem dado para baixo; espinhos e cardos se
tornaram para sempre símbolos de uma direção
errada, e de uma labuta, com o suor na
testa, a fim de vencer essa tendência. Esse
estresse inerente tem marcado a relação do
homem com as coisas divinas, e a história
das coisas de Deus tem se dado da seguinte
maneira: Deus se move – o homem se opõe –
Deus se move novamente.
Como dissemos, a função do profeta fica bem
no centro desse conflito. É aí que a segunda
das duas Escrituras, no cabeçalho deste
capítulo, tem o seu lugar. Na verdade, é aí
que entra o martírio de Estevão.
"A qual dos profetas não perseguiram os
vossos pais?"
Porque o cumprimento desse tipo ministério
significa uma posição inflexível contra o
desejo incorrigível de se minimizar a coisa
até o seu nível mais fácil; aqueles que têm
compromisso com este tipo de ministério não
são pessoas populares, e – como Jeremias –
são vistos como não se importando com os
interesses do povo. É por isso que,
provavelmente, Jeremias, como Moisés e
Isaías, se esquivaram de tal ministério.
Quando Jeremias disse ao Senhor: "Eu sou uma
criança; não sei falar", ele reconheceu não
possuir as qualificações proféticas do
profeta – “falar”. O ministério, para ele,
não tinha nenhuma atração, como tem para
muitos. Teve que ser impingido sobre ele
contra o seu próprio senso de insuficiência,
pois Jeremias bem sabia contra o que iria se
opor na condição de profeta; e ele teve o
que esperava. Porém, a própria subsistência
desses profetas ante tudo o que encontraram
pelo caminho mostra que Deus estava com
eles; que os tinha chamado; e que o
ministério deles tinha uma importância e um
valor particular para Ele.
O ministério de resgatar valores perdidos,
padrões perdidos, medidas espirituais
perdidas, é um caminho solitário para
aqueles que trilham por ele. Os profetas
foram homens muito solitários, e seus
ministérios, muito custosos.
Se Jeremias de fato se sentia tão inadequado
tal qual uma criança diante de uma grande
situação a ser enfrentada, o Senhor – embora
apreciando, sem dúvida alguma, o senso de
insuficiência dele – não permitiria que o
Seu servo o limitasse à medida de Jeremias.
É um dos paradoxos das Escrituras que,
embora o Senhor mantenha Seus servos fracos
e vazios em si mesmos, porém, Ele não irá
permitir que eles se escusem e se eximam,
por conta de tal insuficiência. Assim, um
apóstolo, movido por um esmagador senso de
inadequação, irá gritar: "Quem é suficiente
para essas coisas?" E, então, de seu próprio
clamor vem a resposta: “A nossa suficiência
vem de Deus." Jeremias tinha a resposta para
o seu grito de fraqueza: “Eu te coloco hoje
sobre as nações." A voz deste profeta, e de
todos os profetas, diz:
"Minha força se aperfeiçoa na fraqueza."
Não devemos nos esquecer de que o livro de
Esdra, Neemias, Zacarias, e outros, foram
frutos do ministério de Jeremias. (Veja 2
Crônicas 36:22 e Esdra 1:1.)
Porém, lembre-se também de que o ministério
e os sofrimentos de Jeremias foram
vindicados no remanescente. Primeiro o
remanescente que retornou para reconstruir o
templo e o muro, e também Jerusalém. Sim,
mas não somente esse remanescente temporal,
mas um remanescente espiritual, pois, o
apóstolo Paulo usa essa mesma verdade em
seus argumentos concernentes à inclusão de
um remanescente de Israel na Sião celestial,
o Novo Israel (Romanos 9:27-33). Ele cita
Isaías, mas, como falamos, o conjunto do
ministério de todos os profetas relacionados
ao movimento de recuperação de Deus; e esta
recuperação está sempre nos remanescentes.
Não serão os vencedores do Apocalipse o
remanescente do tempo do fim, a
corporificação da plena mente de Deus? É
nesses primeiros capítulos de Apocalipse que
vemos este declínio de forma tão evidente.
Tomemos cuidado, pois, para não nos
desviarmos do pleno propósito de Deus. Os
falsos profetas de Israel não eram falsos no
sentido de que eles nunca foram chamados
para o ministério profético. Eram homens que
haviam frequentado a Escola dos Profetas;
estavam academicamente treinados, e herdaram
as tradições de Elias, de Eliseu, etc. Eles
eram falsos profetas devido ao declínio, às
concessões, ao tempo de serviço; usavam o
seu cargo de maneira oficial e não
espiritual, a fim de ganhar popularidade;
eram homens de política e não de princípios;
procuravam agradar os homens, e manter-se
agradáveis às pessoas; não foram fieis às
suas responsabilidades.
O critério do nosso ministério no final
será: ‘Será que as pessoas de Deus estão
ganhando coisas eternas com a nossa presença
junto delas, ou será que estão perdendo
aquilo que Deus deseja que elas possuam?' A
responsabilidade é nossa ou é do povo? Esta
é a “voz” inclusiva de todos os profetas.
Capítulo 8 – A Voz de Isaías
"Eles não conheceram ... as vozes dos
profetas que eram lidos todos os
sábados" (Atos 13:27).
"No ano em que morreu o rei Uzias, eu
vi o Senhor sentado num alto e sublime
trono..." (Isaías 6:1).
"Enquanto tendes a luz, crede na luz,
para que vos torneis filhos da lua ...
embora ele tivesse realizado muitos
sinais diante deles, contudo não creram
nele, para que se cumprisse a palavra do
profeta Isaías, que disse: “Senhor, quem
creu em nossa pregação? E a quem foi
revelado o braço do Senhor?" (João
12:36-41).
Lembremos de que o que estamos
considerando é a diferença entre o ouvir
as palavras e mensagens divinas, e ver
as obras divinas, e realmente enxergar
através dessas coisas o seu real
significado. Há, de fato, uma grande
diferença entre ver e ver através de;
entre ouvir com as orelhas externas, e
ouvir com o ouvido interior. O contexto
histórico da nossa referência principal
- Atos 13:27 – é o contexto de uma
inacreditável tragédia relacionada a
esta diferença. Ambos os evangelhos e o
resto do Novo Testamento são construídos
sobre esta diferença entre ver e, ao
mesmo tempo, não ver, e ouvir, contudo,
não ouvir. É isso que temos em Isaías.
É muito impressionante que João associe
Isaías 6 a Isaías 53, em relação à
presença, ministério e obra de Jesus – o
Cristo. João diz que quando Isaías
especificou o que ele fez, primeiro:
“Senhor, quem creu em nossa pregação?” e
o resto do capítulo 53; e, então, sobre
sua visão do “Senhor dos Exércitos”, e a
consequente comissão, em relação a
Israel, "Ele falou dele (Jesus)” e foi
quando “ele viu a sua glória”. Há muito
para se pensar aqui. João diz que o
Senhor a quem Isaías viu exaltado,
sentado num alto e sublime trono, "o
Senhor dos Exércitos", era Jesus. E, ao
ligar o capítulo 53 ao capítulo 6, João
claramente estava afirmando que o
“Cordeiro” do capítulo 53 era o “Senhor”
do capítulo 6. Iremos voltar a isso mais
adiante.
O que João claramente está dizendo é
que, contrário ao grande profeta, Israel
podia ter em seu meio – numa única
Pessoa – tanto “o Senhor” como o
“Cordeiro” – com todo o seu significado,
e, contudo, não conseguir enxergá-lo,
nem ouvi-lo, nem reconhecê-lo. Todo o
maravilhoso e iluminado ministério de
Isaías, e seu real cumprimento, podia
estar bem ali no meio deles sem que eles
pudessem enxergar. E o que é pior:
aquilo ainda poderia resultar num
endurecimento, ao invés de salvação.
Isso é algo terrível de se contemplar! É
tal a possibilidade, e – no caso de
Israel – uma realidade tal, que Paulo
transferiu a advertência de Israel, em
geral, para a sinagoga de Antioquia, na
Psídia; estreitando, assim, para uma
companhia local.
O que é isso que foi responsável pelo
julgamento de cegueira e surdez
pronunciada por Isaías, e que ficou tão
evidente nos dias de Jesus Cristo? Há,
pelo menos, três coisas que levou a
isso, e que sempre levará.
1. Preconceito
O dicionário define preconceito como
sendo 'julgamento preconcebido'. É o ato
de se chegar a uma conclusão sem antes
fazer uma consideração honesta. É ter a
mente e o coração fechados. É não
querer, não ter intenção de, nem estar
disposto a ouvir. O profeta chamou essa
atitude de “dureza de coração”.
O coração fechado irá sempre resultar em
olhos fechados.
Foi Henry Drummond quem – como cientista
– tão fortemente ilustrou este
princípio. Ao falar de “Como escaparemos
nós se negligenciarmos..." ele diz: “Há
certos animais cavadores – como a
toupeira, por exemplo – que têm gastado
as suas vidas no subterrâneo. E a
natureza tem se vingado delas de uma
maneira completamente natural, fechando
os olhos dessas criaturas. Se elas
querem viver na escuridão, então, nesse
caso, argumenta a natureza, seus olhos
obviamente passam a possuir uma função
secundária. Ao negligenciarem os olhos,
esses animais deixam bem claro que não
precisam deles. Um dos princípios
naturais estabelecidos é que, na
natureza, nada deve existir em vão,
porém, os olhos estão sendo atualmente
colocados de lado, estão sendo reduzidos
a um estado rudimentar. Esse é o
significado do paradoxo favorito: 'Ao
que não tem, até mesmo o que tem lhe
será tirado.' A presença de Jesus Cristo
entre os homens, e o advento do Espírito
Santo, significou – e significa – a
possibilidade de enxergar aquilo que o
olho natural não consegue ver; porém,
‘negligenciar’ ou recusar ‘a luz’ e o
julgamento da dupla cegueira está na
própria natureza das coisas; é uma
lei”.
O preconceito é sempre uma coisa má e
cruel; é um ladrão, um saqueador, em
qualquer terreno em que ele existir.
2. O Interesse Próprio
A cegueira de Israel foi causada pelo
medo que eles tinham de perder alguma
coisa, caso viessem a se render e
obedecer a Deus. João citou Jesus
dizendo: “Como podeis crer, recebendo
honra uns dos outros, e não buscando a
honra que vem só de Deus?" (João 5:44).
O interesse próprio foi o pecado
orininal de Adão, e, por meio desse
pecado, o mal levou o homem a perder as
suas faculdades espirituais em relação a
Deus. O orgulho é que dá suporte ao
egocentrismo. Foi a queda de Israel,
como também a de Satanás e de Adão.
3. Passividade
Muito frequentemente há uma grande e
fatal lacuna entre o saber e o fazer.
Esta é realmente a responsabilidade que
as “Vozes” dos profetas colocaram à
porta de Israel. O Senhor jamais julgou
o povo por aquilo que ele não conhecia,
e nem podia conhecer, mas sim por não
fazer aquilo que conhecia. Paulo cita
Isaías 53 em seu grande capítulo sobre o
fracasso de Israel - Romanos 10. Ele
diz: "Porventura não ouviram?" e
responde: "Sim, por certo”. “Mas para
Israel diz: Todo o dia estendi as minhas
mãos a um povo rebelde e contradizente”.
Esta voz do profeta (Isaías) tem um
amplo espaço neste parágrafo, e tem a
ver com a cegueira e a surdez resultante
do não fazer aquilo que eles conheciam.
Geralmente ficamos muito consternados,
angustiados, e desconsertados com a
grande quantidade de pregações e ensinos
que têm tão pouco efeito prático, e nos
perguntamos por quanto tempo mais o
Senhor irá permitir que a luz brilhe.
Nós começamos este capítulo com João
citando as palavras de Jesus: “Enquanto
tendes luz, crede na luz”. Crer é andar
na luz e obedecê-la. Muito
frequentemente as congregações e
reuniões do povo de Deus, após uma
mensagem séria e desafiadora,
simplesmente se dispersam numa multidão
barulhenta que se põe a conversar sobre
qualquer outra coisa, menos sobre a
mensagem, e assim, a mensagem é
dissipada e perdida. Quão frequente a
reação é: “O que podemos fazer sobre o
que o Senhor acabou de nos falar?” Esse,
então, é o ponto da voz de Isaías: “Quem
creu em nossa pregação?”
Antes de deixarmos este assunto para
outro momento, precisamos retornar
àquele ponto do “Senhor sentado num alto
e sublime trono”, “o Senhor dos
Exércitos” e o Cordeiro de Isaías 6 e
53. Foi no ano em que a autoridade
terrena – representada pelo rei Uzias –
fracassou, desviando-se daquela
autoridade celestial revelada ao
profeta. Daquele trono celestial saiu o
terrível julgamento duplo da cegueira e
da surdez. Foi esse estado espiritual
que levou o povo a não ouvir a
“pregação” e, consequentemente, a
‘sacrificar o Cordeiro de Deus’.
Mas, ultimamente, o curso das coisas
está invertido. O Cordeiro finalmente é
visto no meio do trono (Apocalipse 5:6),
e este trono é visto ser a plena e final
autoridade neste universo. Mas o que
significa o Cordeiro no trono?
Ouça Dr. F. B. Meyer:
"Como o Cordeiro é visto lá? Certamente
mansidão, humildade, gentil submissão
não são virtudes que conquistam trono!
Talvez não no mundo dos homens, mas no
mundo de Deus, sim. No mundo eterno, as
virtudes passivas são mais fortes do que
as ativas: os sofredores exercem mais
poder do que os lutadores; ceder é
vencer; ser vencido é conquistar. Foi
porque Jesus foi o Cordeiro que Ele
agora é o Rei ungido de Deus."
Esta é a voz do profeta Isaías.
"E neles se cumpre a profecia de
Isaías..." (Mateus 13:14).
É muito impressionante que o profeta Isaías
seja citado muitas vezes no Novo Testamento.
Ele é citado mais de cinquenta e cinco
vezes. Talvez ainda mais impressionante seja
o fato de que muitas dessas citações estejam
relacionadas ao antagonismo de Israel em
relação aos mensageiros de Deus, e,
particularmente, ao seu Filho Jesus Cristo.
Nos Evangelhos, onde Isaías é citado com
bastante frequência, há somente duas
exceções a esse fato.
Se este profeta sozinho possui tão grande
espaço no Novo Testamento, que é o registro
de Cristo, em outras palavras, se havia
tanta referência a Cristo atribuída a este
profeta, quão verdadeiro deve ter sido
aquilo que o Senhor disse no início a este
profeta quanto ao seu ministério:
"Vai e dize a este povo, ouvis de fato,
mas não entendeis; e vedes, na verdade, mas
não percebeis. Engorda o coração desse povo,
e faze-lhe pesado os ouvidos, e fecha-lhe os
olhos; para que ele não veja com os seus
olhos, e ouça com os seus ouvidos, nem
entenda com o seu coração..." (Isaías
6:9,10).
"Liam todos os sábados”, disse Paulo, mas
não percebiam, nem entendiam.
Nós, que agora temos a história toda,
ficamos impressionados e falamos: ‘Será
possível que Jesus, o Filho de Deus, poderia
estar assim tão próximo, tanto por meio do
ministério profético como através de Sua
própria presença pessoal, falando, vivendo,
realizando obras, por tantos anos, e as
pessoas estarem tão próximas a Ele, mas, no
entanto, sem realmente poderem perceber e
compreender isso?'
Sim, é muito possível que, após anos ouvindo
e estando em contato com Ele, o veredicto
final seja esse: ‘Após tudo, eles não viram;
a raiz da questão não estava neles, de modo
que eles podiam perseguir e descartar sem
qualquer crise de consciência’. Nenhum
profeta trouxe Cristo mais à vista do que
Isaías. Provavelmente, nenhum profeta sofreu
mais do que ele nas mãos da crítica bíblica.
É sempre significativo que, onde Cristo é
trazido mais à vista, aí a oposição, de todo
tipo, seja mais completa e feroz. A obra de
descrédito alcançará sua maior força quando
e onde a glorificação de Cristo estiver mais
presente. Temos ouvido dizer isso em nosso
próprio tempo: 'Não queremos ministério
profético; queremos apenas pregação!'
A tradição diz que Isaías foi serrado ao
meio, e que Hebreus 11:37 faz referência a
ele. Se for verdade, então, só isso seria
suficiente para indicar quão veemente é o
ódio contra a exaltação de Jesus. O ponto
focal dessa rejeição seria a filiação divina
pré-encarnada de Jesus Cristo. Uma das
declarações mais notáveis no Novo
Testamento, referindo-se a isso, é esta:
Citando Isaías, João 6:10 diz: “Essas coisas
disse Isaías, porque ele viu a glória do
Senhor; e falou acerca dele” (João 12:41).
Isso significa que aquele “Senhor, assentado
num alto e sublime trono, cujas vestes
enchiam o templo, ... o Rei, o Senhor dos
Exércitos" foi identificado por João como
sendo Jesus. É uma declaração surpreendente,
que torna a percepção e o entendimento
espiritual uma questão bastante acentuada.
Contudo, João compreendeu-a bem, e ela é uma
parte dessa tremenda diferença entre o velho
Israel e o Israel espiritual. A cegueira do
velho Israel, devido ao seu orgulho,
preconceito, e ciúme, tem significado para
eles este céu fechado, e isso lhes tem
custado muito caro.
Ouvir as vozes dos profetas, e não apenas as
suas palavras, é, então, uma questão de vida
ou morte; de salvação ou condenação.
Repetimos o que dissemos anteriormente: o
Novo Testamento, os Evangelhos, Atos, as
Epístolas e o Apocalipse, são construídos
basicamente sobre esta faculdade da nova
criação de ‘ter um ouvido para ouvir, e de
fato ouvir'. É uma faculdade, como aquela do
‘ver’ que – através do novo nascimento –
fornece a capacidade para se conhecer os
significados, e não apenas teorias ou "a
letra da palavra”. Trata-se de algo
fundamental na vida cristã; e esse é o
motivo disso estar bem no início das coisas
relativas ao reino, como visto no encontro
de Nicodemos - o doutor e mestre – com
Jesus. O novo nascimento significa uma nova
entidade com novas faculdades.
Israel, como nação, não crendo e não
nascendo de novo, estava duplamente surdo
por um julgamento. Esta é a primeira coisa
que Isaías diz em relação ao Filho de Deus.
Temos ouvido, lido e dito muito sobre Isaías
6, o trono e o Senhor assentado sobre ele; o
séquito e o templo; os Serafins e seus
cantos três vezes Santo. Também o grito de
aflição do profeta, seu chamado e sua
resposta ao apelo de Deus. Mas temos
aprendido pouco sobre essa questão da sua
comissão. Sabemos que Isaías era lido nas
sinagogas de Israel, pois, em Nazaré, o
chefe da sinagoga entregou o pergaminho
deste profeta para que Jesus o lesse
publicamente. O eunuco etíope de Atos 8
tinha estado em Jerusalém e provavelmente
trazia do templo ou da sinagoga uma cópia
das profecias de Isaías, e a estava lendo em
sua carruagem. Ele confessou a sua cegueira,
em relação ao significado da profecia, e,
confessando-a de forma humilde, sua cegueira
foi removida. “Ele seguiu o seu caminho
cheio de alegria”, enquanto Israel – que
tinha os mesmos pergaminhos – seguiu o seu
caminho para a perdição. Não é o que temos,
mas o que conhecemos daquilo que temos, e se
o que temos realmente muda a nossa vida, é
isso o que importa.
O Espírito Santo, que inspirou os profetas,
(1 Pedro 1:11), fez com que os apóstolos e
os crentes entendessem que era o Espírito de
Cristo neles (nos profetas) que escreveu
sobre Ele. Assim, eles enxergaram Jesus por
meio do Espírito Santo, mas aqueles que não
tinham o Espírito eram cegos. E esta não é
apenas uma afirmação; é um teste.
O ministério profético, que é apenas uma
proclamação e apresentação da mente de Deus,
sempre tem um significado triplo:
(1) O de trazer esta apresentação da mente
de Deus aos homens.
(2) O de nos desafiar à obediência humilde
da fé, com a qual é oferecida uma nova
capacidade e faculdade de compreensão
espiritual.
(3) O de determinar o destino de acordo com
– não o ouvir as palavras, mas – “o ouvir da
fé” e o consequente caminhar segundo o
‘conhecimento’, ou de outra forma.
A solene e séria questão precisa ser honesta
e sinceramente enfrentada: ‘Quanto de tudo o
que tenho ouvido tem realmente mudado e
modelado a minha vida?’ 'É muito ensino,
doutrina, teoria, ou é a verdade de Deus?'
A resposta certa será a base da vida e
salvação.
A resposta errada será condenação e
julgamento.
As vozes dos profetas têm uma nota severa,
tanto quanto reconfortante. Isto é
peculiarmente verdade em relação a Isaías.
Capítulo 10 – A Voz de Ezequiel
"Eles não conheceram ... as vozes dos
profetas que eram lidos todos os
sábados" (Atos 13:27).
Gostaríamos de lembrar os nossos
leitores de que essas mensagens são
constituídas por um princípio que
governa toda a Bíblia. É o princípio de
que, por trás das palavras da Escritura,
existe uma voz; e que era - e é -
possível ouvir as palavras e perder a
voz. As palavras são as declarações; a
voz é o significado. Nós provamos ser
este o caso através de uma declaração
como aquela de Isaías 6:9: "Ouvis, de
fato, contudo, não entendeis, e vedes,
na verdade (margem: ‘continuamente’),
mas não percebeis”. Esta é a condição
que está por trás da nossa citação de
Atos 13:27.
A “voz” de Ezequiel tem o seu próprio
significado particular, o qual é muito
rico e desafiador no contexto da
religião, e, em especial, no
Cristianismo, por aquilo que acabou se
tornando.
Isaías é mencionado muitas vezes no Novo
Testamento, o que não é o caso de
Ezequiel, que não é citado por nome, mas
há uma profusão de alusões a suas
profecias. Na superfície de boa parte do
Novo Testamento, seus simbolismos são
óbvios, e, abaixo da superfície, seus
princípios espirituais não são difíceis
de serem encontrados. É este significado
que constitui a tragédia de Israel e a
fraqueza patética e também a ineficácia
de muito daquilo que é chamado de
Cristão. É a incapacidade de discernir.
A Diferença Essencial Entre o Literal e
o Espiritual
Que grande quantidade de trabalho tem
sido gasta ao se tentar explicar esse
livro, e quanta explanação tem se
mostrado fútil, e mesmo tola! Este
profeta, mais do que qualquer outro,
transmite a sua mensagem por meio de
símbolos e parábolas, e, embora alguns
deles possam ser facilmente
interpretados através da história, há
muita coisa que não pode ser
interpretada literalmente, sob pena de
entrarmos no campo da impossibilidade e
do ridículo, se assim o fizermos. A
única resposta a este último caso está
nos princípios espirituais, e não em
realizações literais. Vamos dar um
exemplo resumido. Porém, aqui somos
confrontados com uma necessidade
imperativa, que é a de salientar outra
distinção fundamental. Os literalistas
têm recorrido a uma evasão de enigmas ao
lançar fora a ‘espiritualização de
certas coisas’. Ao fazer isso eles
deixam muita coisa sem uma explicação
satisfatória, e – pior – caem na
decepção, a qual dá tanta falsidade a
grande parte do ‘Cristianismo’.
Por isso, é necessário, antes de
podermos entender Ezequiel, darmos
espaço a essa vital distinção que muito
poucas pessoas são capazes de
reconhecer. A distinção é a seguinte:
A Diferença Entre Misticismo e
Espiritualidade
Quão terrível, e quanta perda nos traz
esta falha! Entre essas duas coisas há
toda uma diferença entre dois mundos, e,
se esses contrastes fossem
compreendidos, haveria muito cuidado no
uso da palavra ‘místico’, em relação a
tais coisas como ‘o Corpo de Cristo’,
“Cristianismo’, ‘os elementos da ceia do
Senhor’, etc. Talvez a principal
distinção entre as duas coisas é que
misticismo raramente – ou nunca – é algo
prático (apesar da frase comum: ‘Prática
Mística’), enquanto que
‘espiritualidade’ é totalmente prática.
Vamos explicar isso.
O misticismo tem a ver com os sentidos
da alma, e geralmente se refere a
impressões emocionais e estéticas. É
resultante de música, pinturas,
cerimonial, ritual, vestimentas,
paramentos, episódios dramáticos, vozes
solenes, sons, entoações, iluminação (ou
o contrário), e todas essas coisas. O
efeito é transitório e está restrito à
ocasião. Temos visto as explosões mais
viciantes de ódios rivais acontecerem
imediatamente após certas pessoas terem
participado na celebração do Festival de
Corpus Christi, com a elevação da
hóstia. Este pode ser um exemplo bem
extremo, mas serve para definir a
natureza do misticismo, pois, durante a
‘Celebração’, ouvimos pessoas gemendo e
balançando, como se estivessem sofrendo
as agonias físicas de Cristo. Quer seja
na forma extrema, ou mais suave, o
misticismo nunca é algo prático, no
sentido de mudança de caráter, pois
coloca a pessoa num terreno falso, e os
engana em relação a si mesmos. É uma
ilusão, uma falsa espiritualidade, e é –
tanta na sua melhor forma como em suas
formas mais perversas – a ilusão de
Satanás. A religião, como tal, pode ser
puro misticismo, sem qualquer poder para
transformar a vida; seja ‘Cristianismo’,
Hinduismo, Budismo, ou qualquer outra.
Por outro lado, o que a Bíblia
(particularmente o Novo Testamento) quer
dizer com espiritual é que ele é algo
imensa e inevitavelmente prático.
Basicamente significa uma mudança de
natureza, como disse Cristo: “Aquele que
nasceu do Espírito é espírito”, e,
assim, "Necessário vos é nascer de novo”
(João 3:5,7). Esta é uma declaração de
fato. O clássico sobre essa diferença
foi referido por Paulo em 1 Coríntios,
capítulo 2. Aí encontramos, no primeiro
caso, o contraste entre Nicodemos, o
qual era intensamente religioso e mestre
intelectual em Israel, e um homem
nascido de novo. No segundo caso, o
contraste do ‘natural’ (Grego ‘almático’),
e aquele que é ‘espiritual’, e o ponto
focal em ambos os casos é a compreensão.
Espiritualidade, segundo a Bíblia, é
algo essencialmente prático, tanto em
relação a sua origem quanto ao progresso
da verdadeira vida cristã. Não é nada
menos do que uma diferença entre
espécies. O Novo Testamento está fundado
e construído sobre esta diferenciação e
contraste.
Aí, então, está a tragédia de Israel e
de muitos dos chamados cristãos. É aqui,
neste ponto focal, que o fracasso em
‘ouvir as vozes dos profetas’ é
encontrado. Isto aqui é um prefácio
essencial para se entender o simbolismo
de Ezequiel, e, com esta introdução,
prosseguimos.
A chave para tudo nas profecias de
Ezequiel (todo livro) é a palavra
característica. Do capítulo 1 ao 42
temos 24 referências ao “Espírito”. O
Espírito é a energia, o guia, o
revelador, a vida. O profeta atribui
tudo ao Espírito. Nenhum livro no Velho
Testamento dá tanto espaço ao Espírito.
Embora a mesma palavra seja usada para
vento ou respiração, é impossível – sem
ser absurdo – usar tal palavra em todas
as conexões. Somos compelidos a
relacioná-la ao Espírito de Deus na
conclusão do livro. Deus está tomando a
iniciativa; Deus está manipulando o
profeta; Deus está mostrando ao Seu
servo; é Deus falando ao “Filho do
homem” (outro termo característico). A
conclusão inclusiva é que a grande
questão para o povo era que eles foram
confrontados com a obra e a fala do
Espírito de Deus, no entanto, não
enxergaram, nem ouviram. O resultado
foi que – como nação – eles se perderam
no cativeiro e somente um remanescente
foi salvo. Tendo muito mais a dizer, em
relação à mensagem deste livro, porém,
em termos de princípio, já alcançamos o
seu clímax.
Temos diante de nós, na história, o
pleno cumprimento das terríveis palavras
que foram proferidas pelo Senhor Jesus.
Podemos ver uma nação, desde os anos 70
A.D. até os nossos dias, nas “trevas
exteriores, chorando, lamentando,
rangendo dentes”. Isso, segundo Jesus, é
a consequência do “pecado contra o
Espírito Santo”, para o qual não há
perdão. Porém, nós também estamos em
Romanos: “Mas um remanescente será
salvo”. O “Filho do Homem”, ungido e
cheio do Espírito, veio primeiramente a
Israel, falando e trabalhando “pelo dedo
de Deus” (o Espírito Santo). Suas
palavras e Suas obras foram
desacreditadas e repudiadas, e Ele foi
acusado de “ter demônio”. Eles “mataram
o Príncipe da Vida”, exigindo a Ele uma
forma de morte tão vergonhosa como nem
mesmo Roma jamais aplicara antes a um
romano. Este foi o pecado, e os séculos
têm contado a história.
Para concluir esta introdução, qual é o
ponto? Não é aquela questão particular
levantada por Jesus em seu tempo entre
os homens, e mais tarde às igrejas:
"Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça
o que o Espírito diz”? Algumas vezes é
surpreendente o que até mesmo cristãos –
e líderes cristãos – podem fazer e dizer
por causa desse ouvido surdo em relação
Espírito. Eles podem assumir e passar os
relatórios mais perniciosos, que são
puras mentiras, as quais causam um dano
incalculável às pessoas e também aos
interesses do Senhor, porque eles não
caminham no Espírito, para que possam
ouvi-lo dizer dentro deles: ‘Isso não é
verdade’. Uma coisa é incluir a crença
como sendo um pilar da doutrina cristã,
outra coisa bem diferente é saber quando
“o Espírito da verdade” testemunha
dentro do coração em relação à verdade
ou falsidade. É muito significativo que
tanto o remanescente como os vencedores
sejam marcados por esta “ouvir a voz”.
Jesus estabeleceu a questão final da
vida ou da morte sobre este “ouvir a
voz” (não apenas as palavras) do Filho
do Homem’.
"Todos os sábados" eles ouviam as
palavras, mas não a voz.
Ezequiel tem muito a nos dizer que exige
um ouvido para o Espírito. Oremos por um
ouvido como o de Samuel -
"Oh, dá-me o ouvido de Samuel -
Um ouvido aberto, Senhor!
Vivo e ativo para ouvir
cada sussurro de Tua Palavra!"
Tendo lançado o fundamento para essas
mensagens, porém, fazendo algumas distinções
essenciais, especialmente em relação ao
simbolismo, à realidade, ao misticismo e à
espiritualidade, podemos agora prosseguir, a
fim de indicar como Ezequiel e sua mensagem
profética se enquadram em nosso propósito
básico. Este propósito é mostrar que é
possível estar muito familiarizado (“todos
os sábados”) ‘com as palavras da mensagem
Divina, e, contudo, ao mesmo tempo, perder o
real significado, a “Voz”.
Se tomarmos apenas um importante aspecto e
exemplo disso, ele irá indicar quão sério é
isto, tanto quanto óbvio, para nós que temos
a história completa.
Será conhecido, aos que estão familiarizados
com ‘Ezequiel’, que uma das características
mais comuns desse livro é a maneira de Deus
se dirigir ao profeta. Não menos do que 90
vezes Ezequiel é tratado como “filho do
homem”.
Não me impressiona muito que, em Hebreus, o
termo simplesmente signifique “filho de
Adão”, e seja repetidamente usado para
indicar um ser humano. Eu me impressiono com
duas coisas nesse livro: primeiro, que em
nenhum outro caso temos isso como
característica em todo o Velho Testamento;
e, segundo, a persistente e exclusiva
reiteração da designação. Há coisas mais
profundas do que essas que iremos ver aqui,
na medida em que avançarmos, pois, é no
significado profundo das duas coisas
observadas que iremos encontrar a nossa
mensagem. Este livro é um livro de visões,
revelações, apresentações. É um livro de
sinais e predições. Em especial, é também um
livro de movimentos, atividades e energias.
Porém, em todos esses, Deus está se
dirigindo a e através daquele a quem Ele
invariavelmente chama de “Filho do Homem”.
Muito bem, feita, então, esta observação,
podemos prosseguir.
As “visões de Deus” que constituem este
livro são todas governadas por uma visão
inicial e inclusiva.
A Visão do Querubim
Não vamos nos mover num estudo do Querubim
desde o Jardim do Éden até o livro do
Apocalipse – a primeira e a última menção
dele. Vamos nos ater a Ezequiel, mas com um
objetivo. Junto ao Rio Quebar, o profeta
teve uma visão daquilo que tem sido chamado
de ‘o trono carruagem de
Jeová’, transportado pelo Querubim. O
Querubim é uma representação simbólica da
criação. Quatro é o número da criação, e
aqui temos a representação dos quatros
reinos e governos da criação. O leão, rei em
seu território. O boi, rei no campo das
criaturas domésticas a serviço do homem. A
águia, senhora de todo o domínio dos ares. E
o homem. É de conhecimento comum que neste
simbolismo o aspecto humano é preeminente. O
fato de o ‘trono carruagem de Jeová’ estar
sendo transportado pelo Querubim serve para
mostrar a absoluta soberania de Deus sobre a
Sua criação. Esta soberania é principalmente
expressada na criação de maneira humana. "O
que é o homem? ... Tu o fizeste para ter
domínio..." (Salmo 8:4,6). Nos três
instrumentos e métodos do governo Divino,
isto é, Sacerdote, Rei e Profeta (na ordem
do Velho Testamento), o profeta é sempre
representado particularmente como o homem. O
homem particulariza o discurso de Deus. Por
sua própria criação, sendo a “imagem e
semelhança” de Deus, o homem fala como
representante de Deus. Naturalmente, é
verdade que o Sacerdote – o mediador –
também é homem. O mesmo é verdade sobre o
Rei. Mas esses têm seus próprios simbolismos
no leão e no boi, enquanto que o homem
particularmente é indicativo do Profeta. O
Profeta atua em todo o Velho Testamento, no
que concerne a sua função, mas ele só atua
de maneira plena mesmo quando o Sacerdote e
o Rei estão em fraqueza ou quando necessitem
de conselho especial do Céu.
Acho que agora alcançamos o coração de
‘Ezequiel’, onde encontramos, de modo mais
pleno do que em qualquer outra parte do
Velho Testamento, uma representação da mente
de Deus num discurso através de visão,
palavra e ação. Este é o porque de o Senhor
dizer a Ezequiel: “Filho do homem, diga para
o povo de Israel: Eu sou o vosso sinal ..."
Extraímos deste livro o ensino e a verdade
de que a soberania de Deus na criação se dá
através do homem. O homem – vamos repetir -
é representante de Deus em Seu governo, e
também é o Seu instrumento na redenção. (Ver
Romanos 5:12,19, e 1 Coríntios 15:21.)
O Profeta Como Sofredor
Há outro aspecto que deve ser mencionado
como sendo essencial nesta particular
mensagem, pois, sem ele, o caso todo vai
desmoronar. É o aspecto do sofrimento do
representante de Deus na redenção. O Profeta
invariavelmente é um homem sofredor. O
sofrimento para o povo de Deus é uma coisa
muito real sempre e onde quer que a função
profética esteja em operação.
Isso que acabamos de dizer é a voz do
profeta Ezequiel.
Agora estamos aptos para fazer
A Transição de Ezequiel para Cristo
A ligação entre os dois é amplamente
encontrada no nome, com uma diferença.
Ezequiel é “filho de homem”. Nos evangelhos
temos “O Filho do Homem”. Aqui, novamente,
na melhor das intenções, rejeitamos (apesar
da língua Aramaica) que se trate apenas e
tão somente de ‘um homem’, um dentre as
espécies humanas chamado ‘homem’.
Esse é um título escolhido por nosso Senhor
como sendo particularmente seu favorito. Ele
ocorre oitenta e duas vezes no Novo
Testamento, sendo que duas delas vieram de
seus próprios lábios. Isso por si só já
confere a esse título um significado que é
mais do que apenas a de ‘um homem’ comum.
Porém, a maior força de sua singularidade é
encontrada em suas várias conexões.
Esse título é usado em conexão com:
1. Sua primeira vinda.
2. Sua vida aqui em união com o céu.
3. Seu ministério e obra aqui entre os
homens. (Sua autoridade)
4. Sua partida aqui deste mundo.
5. Seu “levantar”; a Cruz.
6. Sua vinda novamente.
7. Sua glorificação.
8. Seu julgamento dos homens e do mundo.
Inclusive e abrangentemente, esse título
está sempre num contexto sobrenatural.
Jesus jamais se referiu a Si mesmo como
“Filho de Abraão”, “Filho de Davi”, “Filho
de Israel”, etc. Isso nos prende ao real
significado. Por que Jesus preferiu e amou
esse título?
Primeiro, porque ele (o título) vai direto
ao coração de Deus, Seu Pai. E, também,
porque nos leva para este grande e amável
interesse de Deus pelo homem; uma criação na
qual Deus tem investido tanto para Sua
glória e prazer criacional. Esse título
também toca a profunda tristeza de Deus,
devido ao homem ter se “perdido”. (ver Lucas
19:10 e 15:4,6,9,24,32). Por conseguinte, é
um título redentor; de ‘resgatador do
homem’. É um título de universalidade;
envolve toda a raça. É mais do que alguma
categoria terrena de nacionalidade, cor,
língua, temperamento, sexo, idade, cultura
ou zona. Nisso consiste a “Voz” do maior de
todos os profetas; é “a voz do Filho do
Homem”. (João 5:27-29).
Assim, com uma vasta matéria sugerida,
chegamos ao nosso ponto particular. Por que
Israel não ouviu essa voz, embora tenha
ouvido as palavras todos os sábados, e
também ouvido as palavras de Jesus por mais
de três anos? Há duas respostas, ou dois
fatores para a mesma resposta.
Um foi o preconceito nacional e exclusivo
deles.
O horizonte deles incluía apenas Israel,
sendo que todos os demais eram considerados
“cães”, forasteiros, inferiores. Eles tinham
perdido a visão e a vocação em relação às
nações. Eles haviam limitado Deus apenas aos
judeus, ao Judaísmo. Pior ainda, criam que
somente eles eram justos, e que todos os
demais eram “pecadores dentre os gentios”.
Os gentios não eram pessoas com os quais os
judeus se importavam; na verdade eles se
importavam apenas consigo mesmo, na
qualidade de Israelitas. Daí, qualquer coisa
que não se conformasse à exclusividade deles
era considerado anátema: mas Jesus não se
conformou! Ele se recusou ser enredado pelas
restrições legalistas deles, ou seja, o
‘fardo pesado que eles colocavam sobre as
costas dos homens’. Jesus quebrou esse
legalismo contra o qual Ele, mais tarde,
arremessaria o Seu grande apóstolo Paulo,
como um machado de batalha. O preconceito,
nascido da justiça própria, irá sempre
resultar em cegueira, confusão e limitação.
Mas há outro fator nessa incapacidade deles
de ouvir; o último mencionado em relação ao
ministério do profeta.
A ideia de o Messias ser um homem não era
estranha para os judeus. Quando Jesus estava
em popularidade com a multidão, eles estavam
a ponto de aclamá-lo Messias. Porém, um
problema e uma afronta acabou com o
entusiasmo deles, e também com o entusiasmo
dos próprios discípulos, quando Jesus
introduziu o tema da Sua morte estar se
aproximando, e seria por ‘levantamento’,
isto é, por Cruz. A palavra que expressou a
reação deles a esta intimação foi
“ofendidos”. O ponto foi alcançado quando
todos, até mesmo os seus discípulos,
perderam a confiança nele. Um Messias
sofredor? "Longe esteja de Ti tal coisa,
Senhor! Isso nunca te acontecerá!” "O Filho
do Homem deve ir...”, mas não dessa maneira!
Assim, a multidão mudou a sua mente e
perguntou: “Quem é esse Filho do Homem?”
(João 12:34). A indisposição e o despreparo
para aceitar a Cruz, "a comunhão de Seus
sofrimentos", certamente irão cegar e
ensurdecer a pessoa no tocante ao pleno
conhecimento do Senhor, e irão impedir a
plenitude do “Novo Homem”. O movimento do
homem Adão para o Homem Cristo é sempre por
meio da Cruz. O ouvido tem que ser um ouvido
crucificado, para que possa ouvir “a Voz do
Filho do Homem”. Enquanto a Cruz não separar
o velho do novo, o natural do espiritual,
não haverá a faculdade para se ouvir “aquilo
que o Espírito diz”.
Palavras, sim, palavras; ano após ano; mas
nada de a ‘voz’ ser realmente ouvida.
Se as profecias de Ezequiel eram lidas nas
sinagogas, e não temos dúvida de que
realmente eram, os ouvintes ouviam a frase
três vezes repetida –“Eu te pus como sinal”;
"Dizei, eu sou o sinal de vocês”; “Tu serás
um sinal para eles" (Ezequiel 12:6,11;
24:27). Esta designação aplicada ao profeta
encarna e significa o maior de todos os
métodos de Deus com o homem. É, portanto,
algo para se tomar muito cuidado e que deve
ser seriamente observado por todos aqueles
que são chamados para representar Deus no
mundo; e qual cristão não possui esse
chamado? Na verdade, esta é a vocação do
cristão e da igreja! Este método supremo de
Deus é aquele segundo o qual a Sua verdade é
encarnada nos Seus mensageiros: isso
significa que Ele não apenas dá uma mensagem
em forma de palavras, mas que também faz do
próprio mensageiro a Sua mensagem. Não é
apenas aquilo que se tem dito, mas aquilo
que a pessoa tem sido. Isso significa que a
história espiritual do representante é o
fundamento da mensagem. É por isso que o
fator e o elemento de vida é tão proeminente
nas profecias de Ezequiel. Deus não trabalha
de forma mecânica – como uma máquina – mas
por meio de “criaturas viventes”. A vida é a
essência do testemunho.
Quão fortemente esta lei é aplicada a
Ezequiel! Este profeta não está dizendo: ‘Eu
tenho um discurso, um ensino, para passar a
você.' Não. Ele está dizendo: ‘Eu sou o
vosso sinal’.
Assim, o Senhor faz com que dolorosamente o
profeta demonstre a mensagem em seu próprio
corpo, fazendo com que as coisas aconteçam
em sua vida, até mesmo na sua vida
doméstica, como, por exemplo, a morte de sua
esposa, a fim de tornar a mensagem de Deus
algo muito pessoal e ocular. Isso é algo
muito desafiador e penetrante; mas também é
muito esclarecedor a maneira como Deus
trabalha nos Seus servos. Podemos ver a
estreita identidade das pessoas e o
ministério de Paulo, Pedro, João e outros.
Primeiro eles tiveram que passar pelo
ministério antes que o ministério pudesse
passar por eles. Poderíamos ampliar isto em
muitos aspectos, mas isso iria nos envolver
de forma demasiada. Precisamos nos manter
próximos à lei dos caminhos de Deus. Veremos
agora como e por que a nossa Escritura
básica – Atos 13:27 – está relacionada a
Cristo e a Paulo. O argumento dos apóstolos
sempre foi o de que tem havido um Homem
entre os homens, e que este Homem, Ele
próprio era a mensagem de Deus, e não apenas
o Seu mensageiro. Jesus enunciava esta lei e
método Divino toda vez que dizia: “Eu sou!”
Ele era a representação de Deus! Ver a Ele,
dizia Jesus, era ver o próprio Deus. Não ver
Jesus era a própria natureza e julgamento da
cegueira espiritual. Leia novamente o
Evangelho de João sob esta ótica. Assim, ‘a
voz do profeta’ tinha se tornado uma pessoa
viva.
Por ocasião da encarnação do Filho de Deus,
esta encarnação foi revelada como sendo algo
muito maior do que apenas Deus assumindo a
carne e o sangue. Quando João escreveu: “A
Palavra era Deus ... e a Palavra se fez
carne e habitou entre nós" (João 1:1,14),
esta foi a introdução ou prefácio do seu
evangelho. Ele, então, passou a elaborar e a
ampliar isso, mostrando o que realmente
significou a encarnação. Isso – em seu
evangelho e a luta dada a ele pelo Céu –
resolveu-se de duas formas contrastantes. De
um lado, João mostra que tudo em relação a
Deus tinha sido reduzido pelos Judeus a um
simples sistema cristalizado; uma tradição
fixa, como tal; uma instituição, um credo,
um ritual, uma forma, um acordo legal; e,
embora eles não usassem essa palavra, uma
organização.
De outro lado, João mostra que Jesus
persistente, inflexível e reiteradamente
disse “Em verdade, em verdade”, trazendo
tudo para Si, tornando tudo uma questão
pessoal. Ele era a Lei. Ele era o Templo.
Ele era o Cordeiro. Ele era o Sumo
Sacerdote. Ele era o Pastor inclusivo e a
Videira, ambos símbolos de Israel como o
rebanho do Senhor e a plantação do Senhor,
respectivamente. Jesus não permitiria que o
povo do seu tempo se desviasse dEle. Tudo na
encarnação haveria de se tornar uma Pessoa,
e esta Pessoa deveria – com a chegada do
Espírito Santo – não apenas ser o Cristo
pessoal (o qual permaneceria, sim), mas
também ser manifestado de forma corporativa.
Todas aquelas coisas mencionadas acima, nas
quais o Judaísmo havia se tornado, tinham
sido substituídas por uma Pessoa. Este era o
sinal. Foi isso que o inspirado Simeão quis
significar quando, tomando a criança em seus
braços, disse: “Esta criança é posta para a
queda e elevação de muitos em Israel, e como
um sinal de contradição”. (Lucas 2:34) Este
é o significado de Cristo.
Por isso, o verdadeiro Cristianismo não é
uma organização, uma instituição, uma
tradição, uma forma, um credo, um ritual,
etc.; mas é a presença e a expressão de uma
Pessoa, o Filho Vivo de Deus! O Filho Vivo
de Deus e a organização são completas
antíteses. Organização é mecanismo, comitê,
congresso, diretorias, arranjos, esquemas, e
assim por diante, sem fim. É o controle da
mão humana, e da mente humana, no tocante à
obra de Deus. Cristo repudiou tudo isso, e o
Espírito de Cristo pôs tudo isso de lado e
assumiu o controle independente, e a
comparação é óbvia. Viajamos um longo
caminho em Ezequiel? Não em verdade ou em
princípio espiritual!
Porque os Judeus, devido as suas posições
fixas, preconceitos, orgulho e servidão ao
sistema, fracassaram em ouvir a voz do
Profeta; eles perderam o significado do
Sinal, como eles tragicamente fizeram no
tempo de Ezequiel, sofrendo consequências
terríveis. O sinal é um teste, um tropeço,
que serve para a elevação ou queda de
muitos. Este será o efeito de todo
ministério que represente uma corporificação
pessoal da verdade, o qual diverge de todo
material de estudo de segunda mão.
Que possamos estar bastante interessados com
essa realidade de ouvir a ‘voz’ mais do que
apenas palavras, e, acima de tudo, que
possamos ser a personificação, e não a
imitação, da verdade e do testemunho!
Capítulo 13 – A Voz de Jonas
"Eles não ouviram ... as vozes dos
profetas que eram lidos todos os
sábados” (Atos 13:27).
Tudo o que a maioria dos cristãos, e
outros, conhecem sobre o profeta Jonas é
essa substância bastante genérica do
livro que leva o seu nome. A ele foi
ordenado ir a Nínive onde deveria
entregar uma advertência solene quanto
ao julgamento iminente. Porém, ele se
recusou a ir, e fugiu, tomando um navio
para Társis. Então, uma forte tempestade
se levantou no mar, de modo que a
tripulação temeu por sua vida. Aí os
supersticiosos marinheiros concluíram
que havia um homem de mau agouro a
bordo, e lançaram sortes para ver quem
era esse homem. A sorte caiu sobre
Jonas, o qual confessou, pedindo a eles
que o jogassem no mar. Jonas, então, foi
engolido por um grande peixe, e, três
dias mais tarde, foi vomitado pelo peixe
em terra seca. E assim por diante.
Muito pouco é conhecido a respeito de
Jonas, e a menção de seu nome usualmente
traz pouco mais que: ‘Oh, Jonas foi
engolido por uma baleia!’
O fato é que Jonas foi um grande profeta
em Israel, foi contemporâneo de Eliseu,
vivendo no tempo final do ministério
deste profeta. (2 reis 14:25). Talvez
irá surpreender os nossos leitores saber
que em meados do século dezenove um
santo e estudioso servo de Deus na
Escócia escreveu um livro sobre o
ministério de Jonas que contém nada
menos do que 359 páginas.
Mais tarde iremos ver que o próprio
Senhor concentrou o Seu testemunho a
Israel com duas referências a Jonas.
Nesta série de mensagens, como vocês
devem ter reconhecido, não estamos
tratando da vida e dos tempos de cada
profeta em questão, mas apenas buscando
colocar nosso dedo sobre aquilo que
cremos ser a particular ‘Voz’ de cada um
deles; é uma questão de qual é o
resultado daquilo que foi transmitido
pelo profeta. O profeta passa, porém, a
sua ‘voz’ permanece! A voz de Jonas é
muito desafiadora, e Jesus condicionou o
destino de Israel como nação a esta voz.
O que, então, diz esta voz para todos os
tempos, e, principalmente, para o nosso?
1. Primeiramente devemos tomar nota de
certa singularidade a respeito de Jonas
e de sua missão.
Não foi algo novo no eterno propósito de
Deus, mas, nos dias de Jonas, o chamado
e a comissão deste profeta foi, sim,
algo inteiramente novo. Foi tão novo e
incomum que assustou tanto a Jonas como
a Israel. De certa forma, era inédito;
certamente era algo incompatível aos
ideais da nação. Foi um rompimento, uma
inovação, uma coisa estranha, um
abandono da tradição. Embora Deus não
tivesse planejado nem intencionado a
desobediência e o desvio de Jonas, em
Sua presciência e soberania, Ele ordenou
que fosse formada a própria configuração
e base de um milagre que daria a
mensagem e uma comissão mil vezes mais
significativas do que se a coisa fosse
de outra maneira. Tão profundo e
insondáveis são os caminhos de Deus!
Deus simplesmente se sobrepôs a todos os
ideais fixos de Seu próprio povo; sobre
todas as suas noções e caminhos
estabelecidos. Foi algo novo em Israel,
e esta foi uma parte – apenas uma parte,
mas uma parte forte – do dilema e da
dificuldade de Jonas.
Aí está a primeira nota em sua ‘voz’.
Toda a batalha com o Judaísmo nos tempos
do Novo Testamento, e, como indicada
pela nossa frase básica (Atos 13:27), em
grande parte, se não inteiramente, se
desenrolou ao redor desse mesmo fato.
Estevão foi assassinado praticamente por
causa dessa mesma questão, qual seja:
O Grave Perigo Do Preconceito
O preconceito em Israel, no
Cristianismo, como em qualquer outro
lugar, simplesmente significa e diz:
‘Deus não pode fazer isso’. O
preconceito fecha a porta para o homem e
para Deus.
Se o escritor pode dar o seu próprio
testemunho, para o que ele vale, sobre
este ponto, ele tem que dizer que uma
grande virada em sua vida e ministério,
da limitação ao grande alargamento, foi
alcançada em dado momento. Certa manhã,
no Dia do Senhor, preguei sobre
preconceito. Não o combati eu? Chamei-o
por todos os nomes malignos que podia.
Chamei-o de ‘a porta fechada, barrada
contra Deus e contra o homem'. Muito
bem! Durante a semana seguinte, recebi
um convite para determinada conferência,
com todas as despesas pagas. E eu havia
dito um tempo antes que jamais teria
qualquer coisa a ver com o que
representasse aquela conferência; na
verdade, eu jamais a tocaria nem de
longe. Pois bem, esse muito gentil e
generoso convite chegou, e todo o meu
preconceito imediatamente buscou uma
razão para recusá-lo. Eu era um homem
muito ocupado, e a minha agenda estava
cheia de compromissos por meses à
frente. Então, essa foi a minha primeira
desculpa; e eu não achava que a minha
agenda iria me deixar sem uma boa
desculpa. Porém, para minha surpresa, a
única semana sem compromissos por um
longo período de tempo era justamente
aquela semana da conferência! Haveria
outra desculpa honesta para se recusar
ir à conferência? Eu não conseguia, de
maneira alguma, encontrar uma.
Enquanto me sentei lá com o meu
problema, foi como se uma voz dissesse:
'Agora, que tal o seu sermão sobre
preconceito? Você tem apenas duas
alternativas: ou dizer que você não vai,
ou ir; e, se você disser que não vai,
será devido ao seu preconceito!’ Foi uma
batalha, mas o Senhor, e uma pitada de
honestidade, venceram. Fui, e, embora
cheio de reservas e questionamentos,
como disse, foi uma crise que resultou
numa nova libertação da parte do Senhor.
Perdoe-me a referência pessoal, mas isso
pode servir para realçar a mensagem.
O preconceito pode ser um ladrão e um
salteador. Pode ser absolutamente
desastroso, como no caso de Israel.
Disse Natanael: ”Pode vir alguma coisa
boa de Nazaré?” Esse foi o ponto mais
crítico em toda a sua vida, e, se ele
não tivesse sido um homem honesto, ‘um
verdadeiro Israelita, no qual não há
dolo', (Jacó), tudo aquilo que lhe seria
dito na sequência teria se perdido (João
21:2 e, como se crê, ele era idêntico a
Bartolomeu, Atos 1:4,12,13). Como isso
nos faz analisar os nossos preconceitos!
Lembre-se, o próprio Jesus foi envolvido
em preconceitos comuns, fortemente
apoiados e ‘documentados’ pelas melhores
autoridades, diriam as pessoas; porém, a
história nos dá a resposta.
2. O preconceito, no caso de Jonas,
significou uma falta de vontade em
romper com os padrões estabelecidos em
Israel. Os tratamentos de Deus para com
Jonas, e a voz deste profeta entre os
demais profetas é a
A Divina Reação Contra o Exclusivismo
Em Israel, e em Jonas, o preconceito
estava fundamentado numa interpretação
errada e falsa sobre a eleição. A
eleição para eles, embora sendo
perfeitamente verdadeira, era
interpretada como sendo uma questão de
salvação, ao passo que, na verdade, era
uma questão de vocação. Eles se
consideravam os tais, no tempo presente
e na eternidade. Eles eram os primeiros
e os últimos. Todos os demais estavam
excluídos sem qualquer esperança. "Se
não vos deixardes circuncidar, de
maneira alguma sereis salvos" (Atos
15:1,25). A tragédia, ou melhor, o crime
de Israel era duplo; eles interpretaram
mal a eleição e o chamado deles, e, ao
fazer isso, tornaram Deus muito, mas
muito menor do que Ele realmente é.
Israel – para eles – era uma caixa ou
uma gaiola na qual eles limitavam Deus,
e procuravam mantê-lo lá dentro. Se há
uma coisa que o livro e a história de
Jonas diz acima de tudo é que Deus irá
sacudir o céu e o mar, a fim de mostrar
que o preconceito e o exclusivismo são
uma violação a Sua natureza como “o Deus
da graça”. A história de todos os
movimentos ultra-exclusivistas,
relacionados ao nome de Deus é uma
história de infinitas divisões,
distúrbios e censuras. É imensamente
impressionante que Jesus – a plena e
final expressão da graça de Deus – de
forma simbólica, assumiu a morte, o
sepultamento e a ressurreição de Jonas.
Israel de fato era escolhido, eleito,
selecionado, mas somente com a
finalidade de, pela santidade e piedade
de vida, de caráter, como representante
de Deus, pudesse ser o mensageiro da
graça de Deus às nações; que, por meio
da Semente de Abraão, todas as nações da
terra pudessem ser abençoadas. Esta é a
vocação da Igreja; porém, o seu efetivo
cumprimento aguarda e depende de que ela
realmente seja uma representação
verdadeira de Deus! Jonas mostrou o
padrão em primeiro lugar. Mas Israel
fracassou completamente. A ‘voz’ do
profeta Jonas é um aviso.
3. Então, chegamos finalmente à plena e
final voz de Jonas:
"Um Maior Do Que Jonas Está Aqui"
(Mateus 12:41)
Dissemos “Final”, e, com isso, queremos
dizer que, quando a batalha termina,
então Jonas – com base na ressurreição –
verdadeiramente representa Deus. O
contexto de Mateus 12:41 está no verso
40. Aí, de um lado, temos uma “geração
má e adúltera”, o Israel que perdeu seu
lugar por ter falhado em sua vocação. No
meio está Jonas, como uma parábola e um
sinal. De outro lado, Jesus, descendo à
morte – deste lado representando aquilo
que não pode permanecer vivo diante de
Deus, e, então, pela ressurreição,
representando aquilo que está vivo para
Deus para sempre. Este é o “Sinal” para
Israel, seja histórico, seja espiritual.
Esta é a voz do profeta Jonas, porém,
precisaríamos das 359 páginas (do
escritor escocês) para esgotarmos este
assunto!
Capítulo 14 – A Voz de Micaías
"Eles não conheceram ... as vozes dos
profetas que eram lidos todos os
sábados" (Atos 13:27).
"Até quantas vezes te conjurarei, que
não me fales senão a verdade em nome do
Senhor?" (1 Reis 22:16).
Esta é uma história emocionante, e se lê
como um drama. Micaías é – na medida que
o texto prossegue – um dos profetas
menos expressivos, porém, muito
evidentemente, foi bastante considerado
em Israel, mesmo não sendo muito
popular. É algo a ser observado que a
sua prestação de contas tenha se dado
por conta de sua
impopularidade. Evidentemente ele era
levado muito a sério, mesmo pertencendo
a uma minoria. Entre os profetas de
Israel, sua relação era de, digamos,
Quatrocentos Por Um
Esta é a primeira coisa impressionante a
ser observada. É possível que um servo
de Deus, ou ‘voz’ de Deus, seja apenas
um dentre uma disparidade de
quatrocentos! Mas não apenas em
proporção, mas, também, seja o único a
estar certo e, no final, seja vindicado.
Assim nos mostra esta história.
Naturalmente, isso não significa que a
singularidade é necessariamente uma
virtude, e que, ser diferente de todos
os demais signifique estar certo. Porém,
dado ser esse o tipo de solidão de
Micaías, ela pode muito bem ser a ‘voz’
da verdade.
Nosso versículo acima contém uma
sugestão e uma implicação muito
esclarecedora. Disse Acabe a Micaías:
"Quantas vezes lhe conjurei ...?" Esta,
então, está longe de ser a primeira vez
que Micaías tinha brincado e zombado de
Acabe. O profeta evidentemente conhecia
este homem. Sabia perfeitamente que ele
era o tipo de homem que, se o seu
coração se propusesse a ter ou fazer
alguma coisa, ele certamente o faria, a
qualquer preço, mesmo que custasse a
vida de um homem bom, como no caso de
Nabote e sua vinha. O tom deliberado de
irrealidade na voz de Micaías, que até
mesmo um homem mau e egoísta não
falharia em perceber, tinha provocado
Acabe diversas vezes, fazendo-o exigir a
verdade, embora não tivesse a menor
intenção de aceitá-la.
A voz desse profeta, em primeiro lugar,
mostra que é possível uma pessoa estar
tão determinada e obcecada por seu
próprio caminho, no sentido de perseguir
o seu objetivo, mesmo sem o conhecimento
da verdade e de todo conselho fiel. Tal
atitude possui em sua própria essência a
semente da desgraça. É muito
impressionante que essa mesma força de
vontade própria tenha se tornado a
característica de Israel nos anos
seguintes a Acabe, e tenha resultado em
setenta anos de cativeiro. Pior ainda,
foi exatamente essa atitude que
finalmente levou Israel a se desmantelar
como nação, por terem eles rejeitado
Aquele que era a Verdade. Primeiro
Micaías jogou com Acabe, como um gato
faz com o rato, e, então, acabou com
ele. Qual foi a razão da desgraça de
Acabe? Foi conhecer a verdade, mas se
negar obedecê-la!
Mas, o que dizer sobre Micaías? Os
quatrocentos profetas haviam cedido à
pressão popular. O poder dominante
exigia um determinado tema. A política
exigia alinhamento. A corrente em voga
requeria aquiescência. O dia e a hora
diziam que um ajustamento a sua
tendência era essencial. A segurança e a
liberdade diziam –‘Alinhem-se'. Os
quatrocentos servos do tempo,
oportunistas, estavam apenas preocupados
com as coisas que iriam afetar os seus
próprios interesses e expectativas.
Contudo, havia a presença embaraçosa de
Josafá que, embora eventualmente tivesse
sufocado o seu melhor julgamento, teve o
bom senso de que todo aquele barulho e
clamor eram vazios e careciam de
autenticidade. Ele perguntou a Acabe se
não havia outra ‘voz’ que pudesse ser
ouvida. Isso deixou Acabe irritadiço e
de mau humor, porque Josafá, com sua
pergunta, provocou uma dissonância na
música e trouxe uma nuvem no horizonte
alegre. Sim, havia esse sujeito que não
tinha sido convidado para a convocação
porque – bem – ele falava a verdade
impopular. Josafá insistia que Micaías
devia ser chamado, e os mensageiros
procuravam persuadi-lo a tocar o tom
popular, cantar a música popular, e a
entrar na linha.
Mas Micaías tinha todos os motivos para
saber quais seriam as consequências da
desobediência. Ele conhecia Acabe muito
bem; sabia que ele não era o tipo de
homem que aceitaria agradavelmente ter
as suas ambições podadas ou
questionadas. Além disso, por trás de
Acabe estava aquele gênio do mal, sua
esposa Jezabel. Se Jezabel tivesse
conseguido fazer alguém como Elias
fugir, a fim de proteger a sua vida,
Micaías não iria ter um destino
diferente. Ele já estava na mira de
Acabe. Opor-se a ele em tais
circunstâncias não iria facilitar as
coisas. Com seus olhos bem abertos para
as consequências, após insultar Acabe,
ele – a todo custo – disse aquilo que
sabia ser a palavra do Senhor. Há mais
detalhes, como você pode ver, ao ler a
história, mas o martelo foi batido e
Micaías acabou ficando numa prisão de
descrédito, num ostracismo, privação e
exclusão. Porém, eventualmente sua
palavra provou-se ser verdadeira. Não
sabemos quais foram os pensamentos de
Acabe quando ele foi levado para longe,
onde foi ferido mortalmente, passando um
dia miserável até que finalmente morreu
ao cair do sol, mas podemos imaginar.
Sabemos o que Jeú fez aos quatrocentos e
a Jezabel. A partir daí, vemos que, se
Micaías tivesse se comprometido, seu
destino teria sido muito pior do que o
de Acabe.
Voltemos ao nosso objetivo geral. A
nossa passagem básica em Atos 13:27
foca-se nas vozes de todos os profetas
de Cristo, o qual é a ‘Voz’ inclusiva,
plena e final. Cristo, como a Verdade de
Deus, permaneceu sozinho, “desprezado e
rejeitado dos homens”. A Ele foram
oferecidos subornos no deserto, e, em
Suas últimas agonias na Cruz, recusou-se
a “descer” de lá e a ter um caminho mais
fácil. "Ele suportou a Cruz, desprezando
a vergonha”.
Este é o caminho de todo aquele que tem
uma unção profética, o qual se opõe à
tendência popular; este é o caminho de
todo aquele que realmente possui uma
mensagem de Deus. Não um ‘viés’, uma
‘singularidade’, uma ‘idiossincrasia’,
uma ‘excentricidade’. Há muito disso.
Mas a posição de Micaías era por
realidade! É isto o que representaram
todos os profetas, e, se havia algo que
realmente enfurecia o Senhor Jesus era a
hipocrisia, a irrealidade, a falsidade,
e o compromisso com “o príncipe deste
mundo’, em princípio ou sistema.
A menos que estejamos equivocados, o
Espírito de Deus está enfatizando esta
questão da realidade de uma maneira
muito completa e definitiva em nossos
dias. Os ‘quatrocentos’ podem parecer
triunfar por um pouco de tempo; os
‘Micaías’ podem pertencer a uma minoria
de rejeitados, porém, a minoria irá
triunfar no final.
Assim diz a ‘voz’ deste profeta.
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Em
consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo
que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos
não possuem copirraite. Portanto, você está livre para
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